Qual seria o papel da fisioterapia no balé?
A dança exige habilidades e um treino atlético por parte do praticante, a qual se expressa por movimentos elaborados sob um ritmo pré-determinado pela música.
Na Medicina Esportiva, a dança mais estudada é o balé. Os bailarinos dedicam-se integralmente a esta prática, sobrecarregando no geral o sistema musculoesquelético devido às posições antifisiológicas.
Dançarino amador ou “de elite”
Geralmente as pessoas não encaram a dança como um esporte, mas sim como um hobby que não precisa de nenhuma preocupação, portanto, não exige nenhum preparo físico ou supervisão médica. Logicamente essa concepção se refere aos dançarinos amadores, que por sua vez, são a maioria.
Já os dançarinos profissionais, no geral, têm um olhar mais voltado ao esporte, por isso mesmo, buscam um melhor preparo.
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Além disso, o corpo é a principal ferramenta de trabalho desses indivíduos, sem um corpo “funcional” é impossível ter um bom desempenho nesta profissão.
A auto eficácia: Prática relacionada ao poder de gerenciamento da própria saúde, deve ser aplicada aos dois tipos de dançarinos.
Adaptando-se à linguagem e as orientações, é necessário educar esse paciente para que o mesmo conheça o que é prejudicial ou não, e tenha maior adesão aos exercícios domiciliares.
Essa atuação da fisioterapia no balé é mesmo relevante na concepção do paciente?
Um estudo, realizado por Ana Paula Azevedo, Raul Oliveira e João Pedro Fonseca, apontou que 44,5% dos bailarinos em tratamento de alguma lesão, não pararam de praticar o balé.
Esta é mais uma razão para focar em orientações, para que esses atletas prossigam com suas atividades diárias e instrumentais sem serem prejudicados.
Além disso, os bailarinos costumam carregar as lesões adquiridas por toda a sua carreira.
Que malefícios isso pode causar, especialmente ao se chegar em uma idade mais avançada?
O manejo adequado das lesões e das consequências delas ao longo da vida do paciente é objetivo do fisioterapeuta.
Inclusive, nesse mesmo estudo, viu-se que 48,7% dos dançarinos com alguma lesão, foram encaminhados para a fisioterapia, já que 30,5% foram lesões graves, as quais necessitaram inicialmente de tratamento médico.
Os participantes ainda afirmaram que associam a prevenção das lesões à assistência encontrada em um profissional de saúde, como o fisioterapeuta.
No meio científico, infelizmente essa temática ainda é pouco explorada.
Não estranhe, caso o link mais recente que você encontre no post de hoje, tenha sido publicado em 2010.
Mas ainda assim, a Prática Baseada em Evidência não deve ser negligenciada, pois promove uma unanimidade de raciocínio e uma avaliação sistemática para que os fisioterapeutas possam oferecer a melhor abordagem.
Por que o bailarino pode precisar de Fisioterapia?
Alguns dos movimentos de maior complexidade e dificuldade no balé clássico, são as posturas sustentadas e as repetições de movimentos específicos de grande amplitude, especialmente do tronco e da articulação do quadril.
Isso demanda força, e ao mesmo tempo, delicadeza na execução.
É de senso comum no meio científico que as regiões mais afetadas entre os praticantes de balé são os pés, tornozelos e joelhos.
Além disso existem as ocorrências de eventos traumáticos.
A fisioterapia musculoesquelética possui um grande acervo de técnicas para otimização da performance dessas estruturas e também o tratamento de disfunções. Mas como alcançar o sucesso na assistência fisioterapêutica ao praticante de balé?
Estudos indicam que o nivelamento da base da coluna vertebral gera melhoria dos desconfortos articulares e desempenho dos dançarinos. Além dessa intervenção, como o nivelamento de estruturas, o fisioterapeuta poderia atuar avaliando se esses movimentos contranaturais são adaptações da dança, ou se são disfunções numa esfera individual.
Similar aos esportes, a dança possui seus gestos esportivos.
Você, logo em sua avaliação inicial deve analisar e mensurar até que ponto esses gestos são adaptações para um bom desempenho na dança, ou se são prejudiciais e gatilhos para disfunções.
A procura por condições de saúde pré-existentes que possam provocar mais patologias associadas à atividade, também é etapa fundamental da avaliação.
Exercícios e orientações que visam a prevenção de lesões, também compõem as condutas fisioterapêuticas.
A atenção deve ser dobrada com a população infanto-juvenil praticante da dança.
Primeiro é preciso adequar a intensidade das aulas, com a competitividade e desejo da criança, dos seus familiares e sua capacidade estrutural.
Apesar de o balé não ser um esporte, essa dança envolve capacidades relativas a medidas de aptidão física, que nas crianças são transicionais e somente se estabilizam na adolescência.
Balé e desequilíbrios musculares
Um dos principais desequilíbrios em comum entre os bailarinos são: As queixas de lombalgias e fraquezas de músculos abdominais e paravertebrais.
Entretanto, ainda não se sabe se este déficit é de fato uma causa da dor, ou se apenas contribui para essa queixa.
É preciso executar testes mais específicos e aliar uma estatística mais detalhada para fins de estudo.
Na prática clínica, por outro lado, é possível realizar uma pesquisa minuciosa nas estruturas e funções do praticante.
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Como avaliar a musculatura pela força de um músculo?
A avaliação dos músculos abdominais pode ser feita com o paciente em decúbito dorsal realizando uma flexão anterior de tronco em que pelo menos as escápulas saiam do contato da maca.
Adaptando a classificação tradicional de força muscular de Oxford, o grau 5 é quando o movimento é executado com as mãos entrelaçadas atrás da cabeça durante um tempo de cinco segundos sem oscilações e maiores dificuldades. É considerado grau 4 quando a amplitude não é alcançada.
Já para a avaliação da musculatura paravertebral, o paciente deverá estar em decúbito ventral, com as mãos também entrelaçadas atrás da cabeça e precisará estender o tronco de maneira que o umbigo se afaste da maca.
Nesse caso, o grau 5 é característico quando o paciente mantém cinco segundos na posição sem tantos esforços e grau 4 quando o mesma alcança o posicionamento, mas cede rapidamente.
Relembre o que são os graus de força muscular: Descubra Como Você Pode Medir a Força de um Músculo – Parte 1
Essas avaliações foram propostas em um estudo de Aquino e colaboradores.3
No estudo “Análise da relação entre dor lombar e desequilíbrio de força muscular em bailarinas” há também o detalhamento da avaliação de outros grupos musculares possivelmente afetados nessa população. Não deixe de conferi-lo na íntegra no link no final do artigo.
Ainda em relação à dor lombar, um estudo indicou que 70,2% dos bailarinos da amostra apresentaram dor moderada à intensa, um indicador preocupante já que a lombalgia nessa intensidade pode ser muito incapacitante.
Tal incapacidade implica na qualidade do sono, humor e relações interpessoais.
Nessa etapa também é importante não esquecer da avaliação funcional.
Uma sugestão seria assistir uma apresentação, um gesto, além de analisar a marcha do dançarino em questão.
Aliar essas avaliações à condição da musculatura do CORE também é de grande relevância, uma vez que no balé ocorrem muitos movimentos de extremidades de membros que demandam uma boa estabilização central da musculatura axial.
O tratamento para o déficit em questão é o próprio fortalecimento muscular dos grupos musculares afetados.
É importante envolver sempre o gesto esportivo aos exercícios, para que se alcance o objetivo com sucesso e para que o treino não seja tão monótono.
Aliar a conduta com o aprendizado motor também é essencial.
É possível que uma correção de 2 graus do alinhamento corporal sobre a sapatilha, seja capaz de diminuir a intensidade da carga sobre o tornozelo em 18 kg.
Tipos de lesões
As lesões que podem ser encontradas, tanto podem se situar apenas no plano tegumentar – com o surgimento de calos, bolhas e deformidades (dedos em garra) – como no sistema muscular com distensões, contusões, entorses e hálux valgo.
Para os eventos traumáticos, geralmente o protocolo PRICE é bastante utilizado, dada a sua excelente eficácia. O acrônimo significa:
- P – Proteção. Pode ser feita com ataduras ou órteses imobilizadoras, como a Robofoot ou bandagens.
- R – Rest. Do inglês, significa Descanso. Nesse sentido não tem muito o que se discutir; o paciente precisa repousar, de preferência, com o membro inferior elevado devido ao efeito prejudicial da gravidade e a ocorrência ou piora do edema.
- I – Ice. Gelo, também do inglês, é um agente simples e relevante que possui grandes efeitos fisiológicos como: redução da inflamação e hipóxia secundária, diminuição do edema e redução do limiar de dor.
- C – Compressão. Mesmo utilizando imobilizadores, é importante manter a região edemaciada comprimida.
- E – Elevação. Como já mencionado, a elevação facilitará o retorno venoso.
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Gestos do balé e segurança do praticante
Duas posições específicas – o sauté e o en pointe – são manobras específicas do balé que requerem cautela por parte do dançarino.
Por meio dos testes de Força Reação do Solo (FRS) e da Pressão Plantar pode-se verificar uma alta carga externa, sobretudo quando são utilizadas sapatilhas de ponta.
O sauté é um salto que parte de um apoio duplo seguido de uma flexão de joelhos com extensão dos membros inferiores na fase aérea e finalizando com aterrisagem em apoio duplo novamente com flexão de joelhos.
O en pointe é a posição estática de ficar na ponta de pé.
Esse posicionamento, por si só, provoca alto pico de pressão sobre o primeiro e segundo metatarsos.
A desvantagem dessa avaliação do estudo consultado é que ela foi realizada com o auxílio de uma plataforma de força – para quantificar a FRS, no caso, instrumento caro e nada prático para o dia a dia do fisioterapeuta.
O mesmo se repete para a mensuração da pressão plantar a qual foi feita com um tapete instrumentalizado que detecta pressão.
A flexão plantar extrema é outro achado nas manobras do balé.
Geralmente pode ocasionar tenossinovite do flexor longo do hálux, uma disfunção que parece demandar um tratamento simples, porém, sem eliminar ou amenizar a causa, a intervenção será paliativa.
Para casos mais graves, existe o tratamento cirúrgico.
Entretanto é comum que após a cirurgia, as articulações se tornem mais rígidas e isso prejudica expressivamente o retorno à dança – quando a mesma ainda é permitida.
De qualquer forma, a fisioterapia no pós-operatório só irá agregar potencialidades ao retorno funcional do paciente.
Outra questão a ser discutida é que, a biomecânica, objeto de estudo da fisioterapia, tem uma série de considerações sobre as sapatilhas.
O fato de não ter amortecimento nenhum, de ser feita de cetim, papel, entre outros materiais que não conferem o mínimo de proteção ao membro inferior, são preocupantes.
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Mas essas sapatilhas são tradição. E a modificação delas, por outro lado, não implica em efetiva diminuição das sobrecargas.
Os calçados esportivos ainda são uma incógnita no mundo da performance e reabilitação.
Apesar de ser um fator externo e, portanto, modificável – na ótica da reabilitação ortopédica – ainda é cedo para dizer que, modificar o calçado que os bailarinos utilizam, vai trazer benefícios que compensem essa mudança drástica na atividade e também na participação social deles.
E como fator ambiental – sob análise da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) – não se sabe se a mesma se constitui em uma barreira ou em um facilitador para o indivíduo.
Porém modificar sem conhecer as implicações disso, provavelmente modificariam negativamente o domínio de atividade e a participação social, uma vez que afeta as tradições da dança e o próprio sentimento de pertencimento ao grupo.
Em suma, o que se pode trabalhar com os bailarinos é a questão das orientações, dos exercícios – sobretudo de fortalecimento para os grupos musculares afetados e das manobras do balé.
De forma complementar, o tratamento de queixas pontuais também é atribuição do fisioterapeuta.
O alívio da dor nas lombalgias, mesmo aparentando ser algo simples, também deve ser tratado de forma séria, buscando-se investigar componentes osteoarticulares e neurológicos, sem perder a atenção com as red flag.
As distensões, contusões, entorses e deformidades também são frequentes e para isso temos a terapia manual, os imobilizadores e os recursos eletrotermofotobiológicos ao nosso favor.
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Referências Bibliográficas:
- 3 – Aquino e colaboradores: http://www.scielo.br/pdf/fm/v23n3/a07v23n3