Explorando o Complexo do Ombro: Cinesiologia

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Para compreender a cinesiologia do ombro, o primeiro passo é entender os seus componentes.

Então, se você ainda não leu os artigos anteriores desta série do ombro, eu recomendo que você acesse o Portal da Lupmed e leia os 2 artigos anteriores.

1 – A anatomia do Ombro – clique aqui

2- A Biomecânica do ombro – clique aqui

O artigo de hoje será voltado para uma análise cinesiológica dos movimentos exercidos por ele.

Condições funcionais do ombro

A primeira consideração para se ter em mente é que: a estrutura determina a função.

A arquitetura das superfícies ósseas — uma característica estrutural — precisa ter determinadas condições para ser funcional. Ela determina os graus de liberdade e a própria amplitude articular.

Ligamentos, cápsulas sinoviais e o próprio comprimento muscular, podem afetar positivamente ou negativamente os movimentos.

O estudo da evolução humana esclarece que esses detalhes foram se formando ao longo do tempo, em que o homem saiu da posição de quadrúpede para bípede.

Lembra da estabilização dinâmica do ombro? Da necessidade que essa estrutura tem?

A estrutura mais móvel do corpo tem a necessidade de ser estável, ao mesmo tempo em que é móvel?

Isso decorre do fato de que há milhares de anos, como quadrúpedes, os braços serviam para descarga de peso corporal.

Como um segmento que suporta peso, a mobilidade era mínima.

Mas hoje, como membro superior, com função de preensão manual dentre várias outras funções, a mobilidade precisou ser alcançada.

Articulações: superfícies, elementos intra-articulares e análise dos movimentos

1.      Articulação esternoclavicular

Explorando o Complexo do Ombro: Cinesiologia

Em condições normais, o movimento dessa articulação, inevitavelmente produz movimento na escápula, porque a escápula está ligada à porção final lateral da clavícula.

Essa articulação é plana e sinovial, tem três graus de liberdade rotatórios (elevação/depressão, protração/retração e rotação anterior/posterior) e de translação (anterior/posterior, medial/lateral, superior/inferior).

Sua superfície é incongruente. A porção superior da clavícula não entra em contato, de forma alguma, com o manúbrio do esterno. Em vez disso, serve como um sítio de ligação entre o disco articular e os ligamentos ali presentes.

O disco articular tem total importância nessa articulação.

Veja algumas funções:

  • Funciona como um eixo, ou pivô, para a protração/retração clavicular
  • Amortece as forças mediais transmitidas ao longo do osso da clavícula
  • Reduz o estresse articular
  • Previne movimento excessivo intra-articular que pode ocasionar alguma subluxação

2.      Articulação acromioclavicular

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É uma articulação sinovial plana com 3 graus de liberdade rotacionais (rotação interna/externa, rotação superior/inferior e inclinação anterior/posterior ou tilt) e translacionais (anterior/posterior, medial/lateral e superior/inferior).

Sua função principal é permitir uma ADM adicional de rotação à escápula. É também por causa dessa articulação, que a escápula pode ir se ajustando, dependendo do formato do tórax do indivíduo, enquanto são feitos os movimentos nos membros superiores.

Sua outra função é permitir a transmissão de forças da extremidade superior (punhos e mãos) à clavícula.

Sua superfície articular pode ser achatada ou côncavo-convexa.

Quanto ao disco articular, até os 2 anos de idade ele só serve como uma conexão fibrocartilaginosa. Ao longo do tempo, um espaço articular se desenvolve deixando uma cartilagem meniscoide no lugar.

A cápsula articular da articulação acromioclavicular é mais fraca, então essa articulação depende dos ligamentos (acromioclavicular e coracoclavicular).

3.      Articulação escapulotorácica

Explorando o Complexo do Ombro: Cinesiologia

Essa pseudoarticulação, ou articulação funcional, é parte da cadeia fechada que envolve a articulação acromioclavicular, a esternoclavicular e o tórax.

É a escapulotorácica que vai permitir os movimentos mais conhecidos da escápula, os quais exploramos no post sobre anatomia.

Veja os movimentos da escápula e o que acontece com a clavícula e outras articulações:

  • Rotação superior: elevação da clavícula, rotação posterior da articulação esternoclavicular e rotações da acromioclavicular. Essas duas articulações contribuem em 50% na produção de 60° de rotação superior da escápula. Graus adicionais são alcançados por rotação posterior da clavícula.
  • Elevação/depressão: elevação/depressão da clavícula juntamente com ajustes posicionais em inclinação anterior/posterior e rotação interna/externa da articulação acromioclavicular.
  • Protração/retração: protração/retração da clavícula na articulação escápulotorácica junto com rotações da acromioclavicular.
  • Rotação interna/externa: protração/retração também da clavícula.

O detalhe é que na rotação interna da escápula, no paciente com disfunção, visualiza-se o bordo medial da escápula (escápula alada) sugerindo déficit no controle neuromuscular do manguito rotador.

Agora vejamos quais músculos realizam cada movimento da escápula e alguns comentários sobre eles:

  • Elevação

Deltoide: a manutenção de uma relação comprimento-tensão adequada é dependente de uma escápula estabilizada. Quando a escápula não pode rotacionar, há mais encurtamento ainda do deltoide, o que limita a ADM em até 90°.

Supraespinhoso: sua função primária é abduzir, com o deltoide, e secundariamente, ele orienta a cabeça do úmero e ajuda na estabilização.

Infraespinhoso, redondo menor e subescapular: gradualmente eles aumentam a ADM de 0°-115° (lembrando que essa ADM vai até 180°). No começo do arco do movimento, eles puxam a cabeça do úmero para baixo e, no meio do arco, fazem rotação externa estrategicamente para livrar o tubérculo umeral do arco coracoacromial.

O subescapular ajuda na rotação interna, sendo que a abdução é biomecanicamente incompatível com a rotação interna, daí sua importância.

Trapézio superior e inferior, serrátil anterior: com o trapézio íntegro e o serrátil paralisado (condição musculoesquelética extremamente comum), a abdução ocorre normalmente, embora a força muscular seja diminuída.

Já, quando o trapézio está com alguma disfunção (mesmo se o serrátil estiver normal), a abdução é fraca e limitada em 75°, ou seja, restrita ao arco da glenoumeral.

Isso ocorre porque, sem a atuação do trapézio, a escápula repousa em uma posição rotacionada inferiormente, como resultado da ausência de uma força oposta à da gravidade.

Romboide maior e romboide menor: trabalham excentricamente para controlar a rotação superior produzida pelo trapézio e serrátil anterior. Ele aduz a escápula

  • Depressão

Grande dorsal e peitoral maior: em cadeia cinética aberta, o grande dorsal faz adução, extensão ou rotação medial do úmero.

Redondo maior e romboides: deprime a escápula e eleva o úmero em conjunto com a ação estabilizadora dos romboides.

4.      Articulação glenoumeral

Explorando o Complexo do Ombro: Cinesiologia

É nessa articulação que temos o famoso espaço subacromial. Esse espaço é a região que forma o arco coracoacromial, que contém bursas, tendões do manguito e a porção longa do bíceps braquial.

A superfície do úmero apresenta algumas peculiariedades. Ele tem um ângulo de inclinação de 130°-150° e um ângulo de torsão de 30 graus, posteriormente.

Nessa articulação, também encontramos o labrum, que aumenta a profundidade da cavidade glenoide em 50%.

Localizamos também a cápsula articular, que deve ter uma lassidão suficiente para as excursões do ombro, mas deve ser reforçada pelos ligamentos.

A abdução máxima do ombro só ocorre no plano escapular, isso porque é nesse plano que a tensão capsular é menor.

Anatomia aplicada à cinesiologia do ombro

Para termos uma boa noção quanto à cinesiologia do ombro, vamos pensar nos músculos que o compõe, em 3 grandes grupos:

  • Os que se originam no complexo do ombro e se inserem no úmero
  • Os que se originam no tronco e se inserem no complexo do ombro
  • Os que se originam no tronco e se inserem no úmero

Todos esses músculos funcionam em cadeia muscular.

Por exemplo: a contração do peitoral maior ou do grande dorsal, dois músculos que se originam no tronco, move o úmero.

Ambos fazem adução e rotação interna do ombro enquanto o grande dorsal também faz depressão escapular.

Essas ações não são tão puras como parecem ser, porque elas também movem a escápula e a clavícula.

Assim, o encurtamento do grande dorsal ou do peitoral maior, muito provavelmente também limita os movimentos da clavícula (embora não se documente tanta implicação na escápula, felizmente).

E esse é o desafio de estudar o complexo do ombro.

É compreender essa relação delicada de equilíbrio entre as ações dos diversos músculos envolvidos, ainda que não localizados no ombro diretamente.

Aqui vai mais um exemplo: ao prescrever algum exercício ao seu paciente que envolva protração/retração escapular, você precisa ter garantia de que ele faz uma boa rotação interna/externa escapular, porque assim a escápula segue a convexidade do tórax e a própria cavidade glenóide não será uma barreira mecânica.

Além disso, um pré-requisito para proporcionar o movimento normal ao paciente lesionado é favorecer que todos os músculos — primários e secundários — possam agir de forma sincrônica, com sinergia.

Os músculos sinergistas podem agir de duas formas:

  1. Em pares, com uma ação comum e uma ação oposta um do outro. Assim, trabalham juntos produzindo um só movimento, simultaneamente ao cancelamento de outro.
  2. Agindo indiretamente, neutralizando, cancelando movimentos indesejados causados pelo agonista.

Movimentos combinados

Resumindo, o que acontece entre as articulações quando há uma simples elevação de ombro, temos: o úmero rotacionando ao redor da escápula sob a articulação glenoumeral, a escápula rotacionando ao redor da clavícula sob a articulação acromioclavicular e a clavícula, por sua vez, rotacionando ao redor do esterno sob a articulação esternoclavicular.

Isso, portanto, põe as 3 articulações verdadeiras, do complexo do ombro, no mesmo palco.

Tudo isso acontece em prol de uma elevação a 180°.

Em qualquer elevação de ombro, a partir dos 120°, temos o momento em que a escápula começa a rotacionar, em rotação superior. Esse giro posiciona a cavidade glenoidal também superiormente, o que entrega os 60° restantes que finalizam a ADM em sua totalidade.

Outra situação, que evidencia a combinação dos movimentos, é a ação combinada do deltoide e do manguito rotador.

O manguito e o deltoide exercem forças em direções opostas, porém essas forças fazem com que o úmero se desloque em uma única direção (no sentido de abduzir). Isso ocorre porque essas forças são aplicadas em regiões opostas da articulação.

Em contraste, as forças de translação do deltoide e do manguito, se cancelam. Isso estabiliza a cabeça do úmero na glenóide. Se o manguito não for ativado adequadamente, a força do deltoide levaria o úmero pra cima, chocando a cabeça do úmero no acrômio.

Ou seja: quando alguém perguntar qual a principal função do deltoide e você responder com firmeza: “abduzir o ombro”, saiba todavia, que ele por si só não consegue abduzi-lo.

Pushup sentado: o que acontece?

Explorando o Complexo do Ombro: Cinesiologia

O movimento de pushup não é exclusivo dos atletas que buscam hipertrofia. Além de ser um movimento de cadeia cinética fechada, ou seja, mais funcional, ele é muito utilizado por pacientes com déficit de locomoção. Também é exaustivamente utilizado quando um paciente com lesão medular faz suas transferências sozinho, da cama para a cadeira de rodas, por exemplo.

Nesse movimento, ocorre uma depressão forçada de todo o complexo do ombro.

Nessa situação, o membro não se movimenta para baixo, mas as contrações dos músculos motores do ombro levam o corpo em direção aos úmeros.

Dessa forma, os movimentos primários acontecem em uma ordem reversa.

E, se o úmero estiver impossibilitado de rotacionar, os rotadores externos irão contrair normalmente. Os romboides e o trapézio inferior irão auxiliar na depressão e na rotação inferior da escápula em relação ao tronco. Os abdutores e o manguito estabilizam, controlando o alinhamento escapuloumeral.

Ombro não é só articulação glenoumeral

Embora isso seja meio óbvio, principalmente pelo conteúdo do post, é importante lembrar que tratar o paciente que tem uma queixa no ombro não é tratar somente o ombro dele.

O movimento do ombro é complexo, você sabe disto. Por este motivo, há essa necessidade de constante atualização e resgate de conhecimentos.

Porém, as disfunções podem acabar sendo atribuídas exaustivamente à glenoumeral. E não é bem assim.

Além disso, a postura sempre tem que ser considerada.

Como fica o alinhamento do resto do corpo do indivíduo ao exercer todos esses movimentos no ombro?

A má postura causa alterações ou as alterações causam má postura?

Devo associar o treinamento do CORE? São muitos os assuntos a explorar ainda sobre essa área.

Mas o nosso recado principal recai sobre como é essencial avaliar e tratar o complexo do ombro por completo.

Saiba que, o que postamos aqui, é o básico para melhorar a função do membro superior do seu paciente e restabelecer sua qualidade de vida.

Então você tem muito mais trabalho pela frente.

Mas o certo é que para ter sucesso em qualquer área da sua vida, tudo começa pelo primeiro passo.

Referência:

Schenkman, Margaret; Cartaya, Victoria R. Kinesiology of the Shoulder Complex

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