A Síndrome da Dor Patelofemoral (SDP) é forma mais comum de dor no joelho tratada pelos profissionais de saúde no ambiente ambulatorial.
Essa série foi feita para ajudar as pessoas a entenderem melhor essa condição, o porquê ela ocorre e como tratá-la.
Caso você ainda não tenha lido as partes anteriores, você ainda pode fazer isto:
- Parte 1: Prevalência, apresentação e anatomia: https://portal.lupmed.com.br/guia-completo-da-dor-patelofemoral-parte-1/
- Parte 2: A Biomecânica do joelho: https://portal.lupmed.com.br/guia-completo-da-dor-patelofemoral-parte-2/
- Parte 3: A Biomecânica do quadril, tíbia, tornozelo e pé: https://portal.lupmed.com.br/guia-completo-da-dor-patelofemoral-parte-3/
Hoje nós vamos discutir sobre como a SDP ocorre e sobre os fatores que influenciam o surgimento da dor (e eventualmente, a melhora desta).
A SDP é amplamente descrita como uma condição relacionada ao excesso de uso.
Se impormos uma sobrecarga aumentada na articulação patelofemoral, nós criamos uma irritação tecidual e, como resultado, acabamos por sentir dor.
O ponto chave aqui é o problema da sobrecarga.
Novamente, lembre-se de que o joelho é feito para aguentar cargas durante os movimentos normais do dia a dia, e que o exercício é, de forma geral, bom para ele.
Como descrito anteriormente nessa série, algumas atividades geram maior sobrecarga sobre a articulação patelofemoral do que outras.
Atividades como correr e o agachamento profundo geram forças maiores nessa articulação e, devido a isso, a SDP é uma lesão comum observada em corredores e levantadores de peso.
Lembre-se ainda de que a biomecânica do quadril, do joelho, do tornozelo e do pé está interligada e todas elas possuem um papel importante na dor no joelho.
Se essas biomecânicas estão desalinhadas, o resultado é uma menor superfície de área de contato na articulação patelofemoral para dissipar as forças aplicadas a ela, bem como um maior estresse na região lateral ou externa da articulação.
Se tiver dúvidas quanto a esses conceitos, retorne à Parte 2 dessa série para relembrá-los.
O terceiro conceito que é fundamental de ser entendido para que possamos compreender essa condição é a capacidade de articulação do joelho.
Scott Dye é um famoso pesquisador do joelho e foi o primeiro que discutiu o tópico da “homeostase dos tecidos” e da capacidade da articulação patelofemoral.
De acordo com a definição encontrar na Wikipédia, a homeostase nada mais é do que a “condição de estabilidade de um organismo e de seu ambiente interno, ou a manutenção ou regulação dessa condição estável, ou seu equilíbrio ou simplesmente o equilíbrio das funções corporais.”.
Basicamente, a articulação patelofemoral está tentando manter sua homeostase como qualquer outra parte do corpo.
Scott acredita que uma sobrecarga pontual, uma sobrecarga que aumenta ao longo do tempo, pode alterar a sua homeostase e criar uma dor no joelho.
Parece que o conceito de excesso de uso da articulação se encaixa nessa situação direitinho.
O que é mais interessante a respeito da articulação patelofemoral é que o mecanismo que desencadeou a lesão, pode ser prolongado indefinidamente se não for interrompido.
Em outras palavras, a dor tende a se manter para sempre a não ser que alguma coisa seja feita para impedí-la.
É bom ter em mente que o repouso por si só não é capaz de resolver a dor.
Scott descreve a habilidade do joelho em tolerar a sobrecarga (a capacidade da articulação pateloferomal), como a função de “envelope” da articulação.
Basicamente, a articulação do joelho é capaz de lidar com certos níveis de estresse até que ela seja lesionada e se torne dolorosa.
Se nós ultrapassarmos essa capacidade, acabamos com a dor no joelho.
Um exemplo é um levantador de peso iniciante que acabou de iniciar o seu programa de treinamento.
O seu joelho possui uma capacidade de lidar com o estresse antes que uma lesão ocorra e qualquer movimento que exceda essa capacidade, irá levar a uma lesão.
Esse levantador de peso iniciante é capaz de subir e descer escadas, se agachar e correr sem nenhuma dor.
Logo, todas essas atividades estão dentro do seu “envelope” de função.
No entanto, ele não está pronto, ainda, para começar o seu programa de treinamento, pois ele está acima da atual capacidade da sua articulação patelofemoral.
O que é interessante sobre a articulação patelofemoral é que parece que ela pode aumentar a capacidade do joelho com o tempo, através do treinamento.
Quanto maior a capacidade da articulação, maior a tolerância que o indivíduo possui antes do surgimento da dor.
Esse é provavelmente o motivo pelo qual nós temos atletas que conseguem fazer um volume muito maior de atividades que sobrecarregam o joelho, como corridas e agachamentos profundos por períodos prolongados, e nunca experimentar dor.
Isso acontece porque a capacidade da sua articulação foi sendo aumentada gradativamente ao longo do tempo.
Para o levantador de peso iniciante descrito acima, temos um período de treinamento necessário para que ele possa aumentar a capacidade do seu joelho antes de começar um programa de treinamento específico para levantadores de peso.
Pensando que pegamos um levantador de peso, o treinamos por anos e o transformamos em um levantador de peso de elite, nós aumentamos a capacidade da sua articulação, pois aumentamos seu “envelope” de função.
Os levantadores de peso treinam a capacidade da sua articulação do joelho por anos e anos, e se tornam capazes de aguentar um volume maior de sobrecarga, bem como uma maior intensidade e frequência de treinamento.
Mesmo que o estresse imposto na articulação patelofemoral seja muito mais alto, a capacidade de um atleta de elite aumentará de forma que ele consiga suportar esse estresse.
Dessa forma, esse atleta continua treinando dentro do seu envelope de função e mantendo a homeostase da articulação patelofemoral.
Isso ajuda ainda a explicar porque quando dois atletas correm uma maratona, um se lesiona e o outro não.
O atleta lesionado levou a articulação do joelho acima da sua capacidade, provavelmente porque não estava treinando especificamente para uma maratona e não elevou a capacidade do joelho para correr essa quantidade.
Já o atleta que não se lesionou possuía dentro do envelope de funções da sua articulação, a capacidade de correr uma maratona. Por isso sua articulação permanece em equilíbrio durante a prova.
Recapitulando os conceitos até agora:
- A Síndrome da Dor Patelofemoral é uma condição de excesso de uso;
- Um estímulo inicial de sobrecarga pode interferir na homeostase da articulação patelofemoral e levar a um ciclo indefinido de dor, a não ser que haja alguma intervenção;
- A capacidade da articulação patelofemoral é, na verdade, a quantidade de estresse que a articulação do joelho consegue suportar antes que ocorra uma lesão;
- A capacidade da articulação patelofemoral pode ser aumentada – ou reduzida – dependendo do nível de sobrecarga imposto sobre a articulação, com o treinamento e com as atividades do dia a dia;
- A capacidade da articulação patelofemoral ajuda a explicar porque alguns atletas sofrem lesões, outros não.
Como você já sabe, a capacidade da articulação patelofemoral é influenciada por uma série de fatores.
No próximo artigo nós vamos explicar esses fatores e como eles podem ajudar a construir joelhos praticamente resistentes.
Adaptado de: https://fitnesspainfree.com/knee-pain-complete-guide-patellofemoral-pain-syndrome-part-4-capacity/