As Artes Marciais Mistas, tradução de MMA, trata-se de uma modalidade esportiva que envolve golpes de combate em pé e também técnicas de luta no chão, ou seja, artes marciais orientais e ocidentais juntas.
A maioria das lesões podem ocorrer na cabeça do atleta, mas o segundo maior foco é na mão e no punho.
As lacerações e as fraturas são os tipos mais frequentes de lesões e por isso é interessante que você, fisioterapeuta, conheça esses padrões de disfunções.
Como surgiu o MMA?
É muito importante entender como surgiu esta modalidade esportiva e sua regulamentação para ficar mais claro como você, que é profissional de saúde, pode se posicionar e ajudar e tratar os seus clientes que praticam este esporte.
Essa luta é mais antiga do que você imagina. Ela data desde 326 anos antes de Cristo. Mais precisamente, na 33º olimpíada grega.
Desde essa época já se incorporava nos esportes os elementos da luta livre e do boxe.
Com o tempo foram se desenvolvendo regras e vestimentas próprias para o esporte.
No Brasil, o MMA começou a ser popularizado na década de 1920, com a chegada dos icônicos Gracies.
Por um tempo, esse esporte foi conhecido como o Jiu-Jitsu brasileiro e um dos eventos mais marcantes foi a luta de Carlos Gracie com o capoeirista Samuel, o Negro Gigante.
Foi marcante, porque aí foi comprovada a possibilidade do atleta menor e de menor peso poder vencer o maior.
Isso porque as técnicas corporais específicas do MMA priorizam bastante as alavancas.
Depois dos anos 60, a família Gracie deu aula até para o exército e para o SWAT (Armas e Táticas Especiais) dos Estados Unidos.
Foram criados eventos de luta e surgiu o UFC (Ultimate Fighting Championship).
Na primeira edição do UFC nos EUA, houve uma luta entre um atleta do karatê e um do sumô.
O praticante do sumô perdeu em 26 segundos. Mas nessa mesma luta as coisas saíram do controle, havendo até a perda de um dente de um dos lutadores.
Daí surgiu a motivação para a regulamentação desse esporte.
Regras do MMA e o papel do fisioterapeuta esportivo
Em 1996, John McCain, ex-senador norte-americano, trabalhou fortemente na implementação de regras no MMA. Em 2001 foi desenvolvido o Código de Conduta.
E que regras foram essas? Veja algumas:
- Divisão por peso (peso mosca de 56,7 kg ou menos e peso superpesado de 120,2 kg ou mais)
- Equipamentos necessários (chão acolchoado com 2,5 cm de espuma)
- Uso de protetor bucal, coquilha (protetor genital) para os homens e protetor de seios para as mulheres
Foram definidas como faltas os atos de: morder, dar cabeçada, golpear a nuca e/ou as regiões genitais, quebrar os dedos do adversário, simular contusão, entre outras.
E o papel do fisioterapeuta esportivo nesse contexto é observar, caso o atleta sofra alguma dessas lesões, o mecanismo da lesão, como o atleta reagiu, no que focar para, enfim, reabilitar da forma mais apropriada possível.
Saber como o atleta reagiu é fundamental no trabalho preventivo. De nada adianta reabilitar e não ensinar, orientar, treinar o atleta para que ele tenha uma melhor capacidade de resposta frente a outro trauma eventual.
O que faz o fisioterapeuta esportivo em um combate de MMA
Geralmente o profissional chega alguns minutos antes da competição para poder se situar e ver a logística dos atendimentos — já que haverá médicos do esporte, massagistas, entre outros profissionais também no campo.
Na rotina pré-jogo podem ser feitas bandagens, massagens, exercícios de aquecimento, alongamentos e manipulações.
Dependendo do esporte, existe uma quantidade determinada de atendimento para cada queixa do atleta. Após a atividade, o fisioterapeuta atua novamente no momento pós-luta no qual alguns atletas treinam e outros realizam alongamentos ou massagens para recuperação muscular.
De maneira geral, os atletas enxergam o fisioterapeuta esportivo como um profissional fundamental porque, ele é capaz de ajudá-los a entrar no ringue com maior conhecimento da sua condição física e a lidar com as lesões pós luta.
Isso é diretamente ligado ao seu bem-estar físico e ao seu rendimento na competição.
As lesões mais recorrentes no MMA
Os estudos indicam que, no geral, as lesões do MMA são muito parecidas com as lesões que ocorrem no boxe.
O que mais compromete o atleta, a longo prazo, são os choques repetidos na cabeça, por isso a forte relação de demências com ex-atletas de esportes de luta.
José Adilson Rodrigues dos Santos, ou Maguila, que é um dos pugilistas mais conhecidos do Brasil, em 2010, de forma equivocada, foi diagnosticado com Doença de Alzheimer, depois de décadas desde que começou a lutar.
Mas na verdade o seu diagnóstico foi mais tarde modificado, para Encefalopatia Traumática Crônica.
Por outro lado, as lesões traumato-ortopédicas são as mais corriqueiras.
No entanto, na atuação fisioterapêutica, o que ainda apresenta limitações é o diagnóstico da severidade dessas lesões.
Para determinar a gravidade da lesão se sugere o uso de sistemas de classificação padronizados, como o OSICS-2016 (Orchard Sports Injury Classification System) ou o SMCS (Sports Medicine Coding System).
Vamos explorar mais esses dois instrumentos, pois para se realizar um bom tratamento é preciso fazer uma avaliação bem feita.
OSICS-2016
Esse instrumento foi desenvolvido por John Orchard, em 1992.
O contexto da sua criação era uma pesquisa científica que verificou a incidência de lesões em times de esportes de elite australianos (futebol e rúgbi).
O OSICS é basicamente um check list com códigos, semelhantes à CIF. É prático e objetivo.
Infelizmente ainda não tem validação para o Brasil, mas isso apenas limita a publicação e o seu uso acadêmico, não interferindo no seu uso livre pessoal entre os profissionais.
SMCS
Esse questionário foi desenvolvido em 1990 na cidade de Calgary, no Canadá.
A motivação para a criação dele também foi um estudo epidemiológico envolvendo seleções de atletas de uma universidade.
Visualmente se assemelha muito ao OSICS, mas ele não passou por muitas revisões, o que é o seu ponto fraco.
Mesmo que as classificações CID e CIF sejam úteis para muitas condições, esses instrumentos detalham as lesões que acontecem nos atletas. Tanto no OSICS quanto no SMCS, há fundamentação na anatomia da lesão, no local, na estrutura e no diagnóstico específico.
Quanto às lesões de diferentes naturezas na cabeça, na realidade, elas não ocasionam somente afecções neurológicas.
Ocorrem com mais frequência as fraturas de face.
Você já tratou alguma fratura de face?
Vamos entender melhor isto.
Fraturas no MMA
A fisioterapia orofacial abrange tantos as desordens temporomandibulares quanto os traumas bucomaxilofaciais.
As mais comuns são as nasais, de arco zigomático e, por último, osso frontal.
Fraturas nasais
Estima-se que 39% das fraturas maxilofaciais são as de nariz.
O MMA é uma das principais etiologias, junto com rúgbi e o boxe.
O mecanismo do trauma é geralmente por impacto lateral atingindo a porção inferior do nariz, próximo ao septo.
A redução deve ser feita em até 15 dias pelo profissional ortopedista.
Para casos severos, em que há necessidade de cirurgia, o prognóstico é complicado pela possibilidade de instalação da deformidade.
Fraturas zigomáticas
O problema desse osso é sua fragilidade. O trauma pode separar as suturas existentes que juntam o temporal, orbital, maxilar e frontal.
Em São Paulo, de 1995 a 2002 foi feito um estudo e verificou-se que 41% das fraturas zigomáticas foram por socos, chutes, etc, sempre por movimentos relacionados a golpes, como os que ocorrem nas artes marciais.
Fraturas no osso frontal
Esse tipo de fratura tem uma incidência bem menor e é mais relacionado a traumas automobilísticos, não a agressões ou artes marciais.
O tratamento é conservador quando há deslocamento mínimo do fragmento ou ausência de deformidades.
Em relação à fisioterapia, o que se percebe nas lesões do MMA é a grande variedade de eventos aos quais os atletas são submetidos.
Então, é preciso que o profissional esteja sempre preparado para tratar, desde fraturas e luxações até estiramentos e lesões tendíneas em diversas partes do corpo.
Importante destacar que esse conhecimento envolve também o uso correto de recursos eletrotermofototerapêuticos, já que eles têm papel importante no reparo tecidual.
Vale ressaltar que esses pacientes não querem ficar de fora das competições.
É exigido que o fisioterapeuta proporcione o tratamento mais ágil e mais objetivo possível, algo que muitas vezes só é alcançado com os recursos da eletroterapia.
- Veja mais: A Eletroterapia é Muito Mais do que TENS e FES
Evidências científicas quanto às lesões no MMA
Infelizmente há uma escassez de dados epidemiológicos sobre essas lesões esportivas, porém sabe-se que elas existem sim, em grande incidência.
A falha nas pesquisas e na própria avaliação, dificulta a confiança nas evidências.
Entretanto, algo que tem espaço nas evidências é o uso de EPI (Equipamento de Proteção Individual) nesse tipo de esporte. No boxe, que é similar ao MMA, o uso das luvas gera impacto 2,7 vezes menor.
Biomecânica
Analisar o gesto esportivo no MMA contribui para a melhora no desempenho do atleta, na eficiência, na correção de aspectos motores e no desenvolvimento de novos equipamentos.
Esse estudo também fornece informações para identificar talentos no esporte, triagem em equipes, mudanças no condicionamento físico e mudanças no treinamento visando otimizar sempre.
Biomecânica do soco
Avaliar esse gesto nos permite notar que ele se trata de um movimento que envolve todo o corpo e há muita transferência de energia.
Avaliar esse gesto nos permite notar que ele se trata de um movimento que envolve todo o corpo e há muita transferência de energia.
Isto vai ajudar o profissional a orientar o atleta, ou até interferir na correção deste movimento.
Veja o que acontece detalhadamente a cada submovimento:
- Posição Inicial
- Descarga de peso do corpo nos Membros Inferiores (MMII) afastados um do outro, com o quadril e joelho de um MI levemente fletidos e o membro contralateral estendido e rotacionado externamente
- Ombros levemente abduzidos e fletidos em 40°, tronco ereto, cotovelos flexionados de 110 a 130°, punho levemente supinado e dedos fletidos na altura do rosto
- Posição Intermediária
- Tronco e quadril rotacionam e há contração excêntrica
- O membro superior do soco deve fletir a 90° ao nível do ombro, junto com uma extensão de cotovelo e pronação de punho
- Posição Final
- Retorno para a Posição Inicial, com rotação de tronco
- Extensão do ombro que realizou o soco, com flexão de cotovelo e supinação do punho
Biomecânica do Single-Leg
O Single-Leg é um golpe em que um adversário prende o membro inferior do outro e o derruba. Veja o que acontece:
- Flexão de MMII, ombro e cotovelo para agarrar a perna do adversário
- A perna do adversário deverá ficar presa/encaixada entre as coxas do lutador que deferiu o ataque
- Para gerar a queda do oponente, o lutador deverá girar seu corpo a fim de deslocar o centro de massa do adversário e desestabilizá-lo
Como atuar na prevenção de lesões
Para qualquer esporte, o trabalho preventivo é o principal dentro das atribuições do fisioterapeuta. No programa de prevenção podem conter:
- Fortalecimento de músculos específicos e músculos estabilizadores
- Treino de estabilidade, ativação muscular e equilíbrio (com treino sensório motor)
- Treinamento postural, com reprodução do gesto esportivo, RPG, Pilates, etc
- Aprimoramento de técnicas pessoais do seu paciente/atleta e execuções corretas, quando possíveis
- Trabalho do controle respiratório com exercícios de respiração diafragmática
- Orientações quanto ao excesso de treino, dores e lesões por overuse
- Auxílio no acompanhamento nutricional
Nesse esporte algumas lesões podem ser muito sérias, como ocorreu com o Anderson Silva, cuja intercorrência foi uma fratura de tíbia e fíbula com posterior inserção de prótese.
Geralmente, para esses casos, é preciso iniciar o tratamento com modalidades analgésicas para desinflamar a região lesionada no pós-operatório imediato, em seguida começar o fortalecimento muscular, mas com o menor movimento possível — daí a eletroterapia é a protagonista desse estágio do tratamento.
Depois procura-se ganhar mobilidade novamente, já que depois desse tempo de repouso as estruturas ficarão naturalmente mais hipomóveis, e proporcionar melhora da propriocepção com o treino sensório motor.
Esse tipo de ocorrido vai provavelmente fazer com que o atleta precise de forma descontínua da fisioterapia, por isso é importante que o fisioterapeuta se atualize sempre quanto às melhores condutas nesse meio.
O futuro da fisioterapia esportiva com o MMA
Em muitos estados brasileiros a fisioterapia esportiva é muito demandada por haver muitos atletas ativos na região.
Em São Paulo, por exemplo, quando o MMA estava em baixa, logo foram criados eventos amadores para reaquecer esse esporte.
São eventos com ranqueamento próprio e edições com mais de 200 lutas — um campo potencial para o trabalho de prevenção e aumento de performance por meio da fisioterapia.
No final de 2018, Rogério Minotouro, um dos expoentes do esporte, participou da criação da Confederação Brasileira de MMA Desportivo (CBMMAD).
Eles já fecharam parceria com vários órgãos nacionais e internacionais.
O maior objetivo da CBMMAD é auxiliar na profissionalização do atleta amador, o que converge novamente com a atuação fisioterapêutica no exercício de melhorias de técnicas, gestos e desempenho.
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