Distúrbios estruturais na região dos pés — como o pé plano, fascite plantar e hálux valgo — são muito comuns, principalmente para quem pratica atividade física, como a corrida.
Essas alterações podem modificar toda a estrutura corporal, comprometendo a postura e aumentando o risco de doenças articulares degenerativas do corredor, sendo também uma barreira para a prática destas atividades.
A melhor forma de livrar seu cliente ou atleta de desenvolver alguma delas é compreender corretamente como ocorrem e como evitá-las.
Como os pés se comportam sob a ótica da cinesiologia e biomecânica
Muitos dos estudos biomecânicos voltados aos pés são mais antigos do que você pensa.
Antes da passagem do século XIX já se realizavam pesquisas baseadas em impressões na argila e no gesso.
Atualmente o cenário mudou bastante com o uso de equipamentos ópticos, piezoelétricos, sensores, etc.
O mais utilizado deles, como você sabe, é o baropodômetro, para a medição da pressão plantar. E, inclusive, ele é fundamental na prescrição de palmilhas.
Muitos atletas procuram usar tênis diferenciados, acreditando que com esta precaução, já estão devidamente protegidos.
Mas, infelizmente isto está longe de ser verdade, não é mesmo?
A análise que verifica a pressão exercida na planta dos pés e o equilíbrio estático, a estabilometria, é fundamental para te ajudar a ter um dado mais confiável na sua avaliação.
Os atletas, assim como as pessoas comuns, deveriam buscar uma avaliação profissional antes de comprar um calçado esportivo, porque muitas vezes o que eles acreditam que é correto, pode ser prejudicial.
A corrida, atividade física agente de causa e consequência das principais lesões de membros inferiores, é muito praticada porque:
- É muito acessível à população apta;
- Tem baixo custo para organizadores de eventos;
- Tem se tornado uma atividade física popular ou de massa.
Nessa atividade é desejável que a estabilidade podálica esteja adequada para atender às demandas do treino.
Essas demandas são:
- A duração da atividade;
- O impacto repetitivo;
- A existência de terrenos irregulares, entre outros.
O pé é um captor externo do sistema tônicopostural. Qualquer alteração desse segmento pode levar a uma instabilidade postural que pode ocasionar mais repercussões desagradáveis para a qualidade de vida do corredor.
Você sabe porque é importante ter uma distribuição correta dessa pressão em cada região do pé?
Cada região do pé transmite uma força de reação à articulação do tornozelo, joelho, quadril… ou seja, toda a cadeia ascendente.
O ideal é que a maior parte da pressão seja exercida no retropé (região do calcanhar) e a menor parte no antepé (região dos metatarsos).
Em números, recomenda-se 35% a 40% da pressão no antepé e 55% a 60% no retropé.
Porém, é muito comum que essas porcentagens se invertam pelos seguintes motivos:
- Demanda funcional da corrida de rua
- Biomecânica desfavorável
- Duração prolongada da atividade física
- Gestos repetitivos
- Deslocamento anterior do corpo
- Hipertrofia muscular de grupos específicos
- Encurtamento muscular
- Desequilíbrio de cadeias musculares
- Adaptações posturais
- Tipos de arco plantar
Cada ponto aqui listado significa um possível achado que o fisioterapeuta deve investigar, já que se pode modular cada um desses por meio da conduta profissional.
Além dessa medida estática, é importante conhecer o tipo de pisada do seu paciente.
São 3 tipos:
- Pisada neutra
Aqui o lado externo do calcanhar é o que inicia o contato com o solo. Ocorre também uma rotação moderada terminando a passada no meio do pé. O calçado ideal é o que dá amortecimento e estabilidade.
- Pisada supinada
Nessa pisada o lado externo do calcanhar começa o contato e é mantido nessa região, terminando a pisada entre o 4° e o 5° metatarso. Um pé supinado é, via de regra, rígido. Por isso, o calçado deve permitir maior flexibilidade e amortecimento.
Essa pisada pode predispor o indivíduo a entorses de tornozelo por inversão, síndrome do estresse tibial medial e a fratura de Jones.
- Pisada pronada
O início dela também é no lado externo (ou um pouco mais internamente) do calcanhar seguido de uma rotação notável do pé para dentro finalizando a passada no hálux.
A pronação, ao contrário da pisada supinada, decorre de hipermobilidade e o calçado ideal, portanto, deve ser mais rígido.
Esse tipo de pé pode causar fratura por estresse do osso navicular, fascite plantar e hálux valgo.
Como orientar seu cliente para comprar o tênis correto?
Os materiais mais utilizados são o EVA (acetato vinil etileno), PU (poliuretano), MoGo (uma liga de plástico) e o X10 (derivado do carbono).
Todos esses materiais são deformados de acordo com o uso e necessitam de pelo menos 24h para recuperação total.
Daí a importância de ter dois pares de tênis para intercalar, para quem corre todos os dias.
Além disso, é comum que o tamanho dos pés aumente, em comprimento, ao longo do dia.
Por isso ao comprar um calçado, os dedos não devem encostar na parte da frente dele.
Outro bom hábito é andar descalço, quando possível, em solos variados.
Terrenos irregulares e areia, por exemplo, ajudam a fortalecer os dedos e as estruturas articulares dos pés.
Todas essas orientações, por mais simples que sejam, devem ser repassadas ao paciente, já que promovem grande diferença na qualidade de vida quando seguidas.
Você encontra os tênis em 5 categorias, de acordo com o objetivo:
- Estabilidade
- Controle de movimento
- Amortecimento
- Performance
- Trilha
Estabilidade
Os de estabilidade realmente garantem um pé mais estável sem negligenciar o amortecimento.
Mas seu principal objetivo é minimizar a pronação. Indique-o para quem possui pisada pronada.
Controle de Movimento
Os calçados de controle de movimento são os mais rígidos da lista.
São também mais pesados e possuem o solado plano para entregar um maior suporte.
São indicados para quem tem uma pisada pronada muito intensa.
Amortecimento
Os de amortecimento amenizam o impacto do pé no solo.
São indicados para quem tem pisada supinada. Outra particularidade é o seu solado: mais curvo ou semicurvo para estimular movimentos podálicos.
Performance
Os tênis de performance são mais sugeridos a atletas de alta performance por serem mais leves.
Trilha
E os de trilha são para praticantes de caminhadas em terrenos arenosos, montanhas, etc.
Avaliação do pé
Para se realizar uma boa investigação dessa estrutura, é preciso primeiro revisar toda a anatomia aplicada.
Lembre-se de que só esse segmento tem 19 músculos, 26 ossos, 107 ligamentos, 33 articulações e vários tendões.
A avaliação completa do pé envolve todas as etapas que você conhece do exame físico, incluindo avaliações dinâmicas, de jogos articulares, testes funcionais e análise da marcha.
O teste do navicular ou “navicular drop test”, deve ser utilizado porque é um teste confiável, que fornece muitas informações relevantes sobre a condição dos arcos plantares.
Teste do navicular
Com o objetivo de medir o deslocamento vertical da tuberosidade do navicular na descarga de peso, ele também avalia a pronação da subtalar.
O paciente deverá estar sentado com ambos os pés apoiados no chão.
Deve-se marcar a região mais palpável da tuberosidade do navicular com uma caneta, colocar a articulação subtalar em posição neutra e medir a distância desse ponto ao solo com um paquímetro.
A segunda etapa do teste é solicitar que o paciente fique de pé, o que fará o pé sair da posição neutra.
Então mede-se novamente a distância do navicular ao solo.
Registra-se a diferença das duas medidas em milímetros.
Os valores normais desse teste são variações de 6 a 9 mm, com desvio padrão de 3 a 4 mm.
É um teste rápido e muito válido para triagem e acompanhamento da evolução do tratamento.
Não deixe de inclui-lo em sua conduta ao tratar qualquer disfunção que envolva a pronação do pé.
Disfunções nos pés: hálux valgo
Hálux valgo é o desvio lateral da primeira falange com desvio medial do primeiro metatarso. Isso faz uma proeminência óssea nessa região medial e cefálica com aumento de tecido mole nas estruturas adjacentes.
O aumento da pressão e do atrito, como ao usar um calçado com o bico mais fino, são fatores que podem contribuir muito para criar a bolsa dolorida e inflamada, o popular joanete.
O agravo dessa condição é quando o hálux passa a empurrar, sobrepor-se ou se posicionar abaixo dos outros dedos do pé, limitando consideravelmente a marcha e implicando negativamente em várias outras articulações corporais.
Com um tratamento conservador, de fisioterapia não é possível reverter essa deformidade.
Ele pode aliviar os sintomas, impedir que esse desalinhamento evolua e permitir que o paciente prossiga realizando suas atividades diárias.
A utilização da bandagem biomecânica Dynamic Tape e o exercício com faixas elásticas tipo Theraband, podem ajudar a fortalecer a musculatura antagonista e trazer muito bons resultados na prática clínica.
A terapia manual visando o alívio da dor e, posteriormente, a correção articular, também é uma boa opção.
Caso o paciente não evolua com o tratamento fisioterápico, é possível considerar uma opção cirúrgica.
Já, para casos mais severos, a cirurgia é um caminho mais adequado, visando devolver mais rapidamente a qualidade de vida do paciente.
Existem várias técnicas, cabendo ao médico ortopedista a escolha da melhor delas para cada caso.
Disfunções nos pés: pé plano
É a diminuição ou até mesmo ausência do arco longitudinal medial do pé juntamente com uma eversão do osso calcâneo.
É mais comum durante a infância.
Em presença de carga, esse pé fica constantemente pronado.
Existe relação desse problema com a deformidade anterior, o hálux valgo?
Talvez sim!
Ele pode ser fator causal do hálux valgo.
Indivíduos com pés planos apresentam cargas aberrantes no primeiro dedo, o que pode torná-lo hipermóvel e predispô-lo ao desenvolvimento do hálux valgo.
Só que pessoas com pés normais também podem ter uma carga mais elevada no primeiro dedo, por pura alteração postural, ou de centro de gravidade.
Mas esse dedo também é mais largo e contém músculos mais fortes fixados.
E isso vai contra essa teoria da relação do hálux valgo com pé plano.
Além disso, nunca foi registrado, até hoje, hálux valgo em pé cavo (o tipo de pé oposto ao pé plano).
Mas essa conclusão é bem delicada, porque os mecanismos ainda não estão elucidados suficientemente, como a influência da Força de Reação ao Solo (FRS) nessas estruturas.
O pé plano pode causar uma má distribuição de carga na região plantar, estresse excessivo no pé, joelho e quadril e ainda por cima uma rotação interna compensatória nessa articulação coxofemoral.
Como evitar a ocorrência do pé plano?
Sabe-se que músculos extrínsecos e intrínsecos do pé são os principais componentes de funcionalidade e controle dinâmico do pé.
Foque nos exercícios para esses músculos, que a prevenção pode acontecer com sucesso.
Para treinar a musculatura intrínseca, o ideal é propor exercícios funcionais que envolvam a elevação do arco longitudinal medial do pé.
Recomendamos um exercício de um estudo que proporcionou melhora no teste do navicular, alívio da dor e incapacidade e melhora na distribuição de pressão da região plantar.
Você pode adaptar um comando ao seu paciente para “encurtar o pé no sentido anterior posterior” e aproximar a cabeça do primeiro metatarso em direção ao calcanhar sem flexionar os dedos.
Exercício
Esse movimento pode ser feito de forma isométrica (5 segundos) em 3 séries de 15 repetições. A progressão é feita a partir da posição sentada, depois em ortostase e, por fim, em apoio unipodal.
Em 6 semanas, de 2 a 5 dias por semana, dependendo se será supervisionado ou não.
Disfunções nos pés: fascite plantar
É a terceira lesão mais comum nessa população.
As principais causas são o alinhamento inadequado do retropé, a disfunção de arco longitudinal plantar e a sobrecarga mecânica.
Na fascite plantar há degeneração do tecido fascial plantar, provocando a dor como principal sintoma.
Esse tecido é o que mais estabiliza o arco longitudinal medial, daí sua forte relação com o pé plano.
O corredor que já tem fascite plantar crônica apresenta maiores cargas no retropé e mais taxas de impacto do pé no solo.
Sendo que na fase aguda, essa sobrecarga é menor devido aos mecanismos de proteção a dor ainda preservados.
Um dos principais tratamentos é o alongamento da fáscia de forma ativa e/ou passiva, mobilização dos ossos do tarso e recursos termoterapêuticos.
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Como vimos, a utilização de um tênis adequado, prescrição correta do treino e bom alinhamento postural e biomecânico são essenciais para a prevenção desse distúrbio, bem como o dos outros dois supracitados.
Apesar dos esportes envolverem o corpo como um todo, os pés são protagonistas quando se fala de lesões em corredores.
É importante conhecer fatores de riscos e lesões mais comuns para preservar a funcionalidade do seu paciente atleta.
Você já precisou tratar alguma dessas lesões e/ou disfunções em algum paciente? Ou já tratou alguma muito comum que não foi citada aqui? Comente!
Referência:
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30860412
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