Tudo o que o Fisioterapeuta deve saber sobre Estabilização Articular – Parte 1
Nota: Esta é a primeira parte de uma série sobre Estabilidade Articular. Se está chegando agora, leia a primeira parte em que falamos sobre Como Aprimorar a Estabilidade Articular Através do Treinamento.
Muitas das queixas mais frequentes dos pacientes que chegam às clinicas e consultórios têm relação com a articulação.
Para que se possa tratar esse tipo de paciente, é preciso principalmente entender os mecanismos de estabilização articular, uma vez que acometimentos articulares provém da desestabilização dessas estruturas, devido à alguma perturbação do equilíbrio articular, seja por trauma, sobrecarga, ou outra doença de base.
Criamos esse texto afim de comentar sobre os mecanismos de estabilização articular em um contexto fisiológico, pois a partir daí é que o fisioterapeuta consegue identificar alterações e comportamentos e traçar planos de tratamento com o objetivo de devolver estabilidade a articulação.
Mecanismos de estabilização articular
A estabilidade articular dinâmica é pré-requisito para a realização de atividades funcionais (Fonseca et al – 2004). Ou seja, uma coisa é mantermos a articulação estável parados, outra coisa completamente diferente é mantermos a articulação estável durante o movimento.
E é durante o movimento que quem é especialista em movimento humanos como você, quer que os mecanismos de estabilização funcionem de forma adequada.
É a estabilidade dinâmica que permite que o paciente realize as suas tarefas cotidianas, trabalhe, estude sem dor e sem lesões.
Durante essas atividades, o corpo entra temporariamente em desequilíbrio, considerando sua posição de equilíbrio a posição estática.
É aqui que entra a estabilidade articular funcional, que é a habilidade de um corpo ou sistema de retornar a sua condição de equilíbrio após sofrer uma perturbação.
Uma articulação estável deve permitir o movimento ao mesmo tempo em que resiste à perturbações e deve retornar ao seu estado basal assim que ele cessa.
Mas o que é responsável pela estabilidade articular?
Diversas estruturas participam da estabilidade articular e a interação entre elas é que irá resultar na estabilidade articular funcional.
São elas:
- A própria conformação da articulação e dos ossos que a compõe, como já comentamos em um texto anterior sobre anatomia das articulações;
- Tecidos moles adjacentes, como as cápsulas articulares, os ligamentos e os tendões;
- A força da musculatura ao redor da articulação, representada pela área de secção transversa muscular;
- O tipo de articulação, também comentado no texto sobre anatomia articular e amplitude de movimento que ela é capaz de realizar;
- E ainda a pressão negativa dentro da articulação.
Estabilidade Mecânica X Estabilidade Funcional
Estudos que analisaram o comportamento das articulações durante o movimento, encontraram como resultado que algumas atividades funcionais impunham uma sobrecarga acima da capacidade de resistência das articulações e ainda que o nível de frouxidão ligamentar não necessariamente se relacionava com alterações de estabilidade funcional da articulação.
A conclusão dos estudos é que a estabilidade funcional está intimamente relacionada com a postura, ou seja, com a estabilidade mecânica. Mas alterações na postura não necessariamente irão gerar sintomas neuromusculares.
Além disso, nem toda grande assimetria postural gera sintomas severos quando, por outro lado, algumas pequenas alterações de simetria podem gerar sintomas relevantes.
Relação entre demanda e capacidade articular
Todo o movimento, assim como a postura estática, só é possível seguindo um padrão de cadeia cinética, ou seja, dentro de um sistema mecanicamente acoplado que transmite forças entre si.
Portanto, a estabilidade durante o movimento possui profunda relação com a estabilidade postural, uma vez que as estruturas são as mesmas nas duas situações.
A estabilidade articular então, depende não só de fatores mecânicos intrínsecos, mas também de fatores dinâmicos, associados a mecanismos neurais que regulam a ação da musculatura ao redor da articulação.
Portanto, componente fundamental para a estabilidade articular funcional é a rigidez muscular, definida como a capacidade que a fibra muscular possui de resistir à deformações, sendo modificada dinamicamente pela ativação neural do músculo.
A rigidez muscular é tão maior quanto a área de secção transversa dos músculos e quanto mais alongado estiver o músculo, menor será a sua rigidez.
A postura corporal então nada mais é do que o resultado do equilíbrio entre a rigidez de todos os tecidos em torno de uma articulação.
Esse mecanismo neural que permite um ajuste em tempo real da rigidez muscular, consequentemente da estabilidade articular, é que permite que a pessoa se adapte às diferentes situações e demandas funcionais do dia a dia.
Mecanismos Neuromusculares de estabilidade articular
Esses mecanismos modificam dinamicamente a resistência das articulações à perturbações permitindo manutenção da estabilidade. São eles:
- Reflexo Ligamento-Muscular (Feedback Sensorial ou Sistema de Alça Fechada):
Esse ajuste muscular não é consciente, ou seja, ocorre na medula em resposta à estímulos dos mecanorreceptores ligamentares, que possuem ação direta nos motoneurônios alfa.
Ao serem estimulados, ele produzem uma contração muscular reflexa de forma a limitar movimentos anormais.
O problema desse mecanismo de estabilização é que ele é lento para promover, sozinho, a estabilização articular, em contextos onde uma resposta rápida é necessária. Em situações de sobrecarga fisiológica, o sistema não tem tempo de detectar o erro, determinar a correção para esse erro, executá-la e corrigir o movimento antes que esse termine.
- Feedforward ou Sistema de Alças Abertas
Esse sistema envolve planos de movimento gerados por centros motores corticais, prevendo ajustes necessários antes mesmo que o movimento ocorra. Chamamos isso de pré-reposta, ou feed-forward do controle motor, que é retroalimentado pelo feedback dado por uma tarefa anterior, permitindo a preparação do movimento com maior precisão.
A visão é fundamental para a preparação do sistema antes que o movimento de fato ocorra.
O problema desse sistema é que ele não possui mecanismos para lidar com situações inesperadas, sendo o ajuste nesses casos muito difícil.
- Sistema fuso muscular gama
A rigidez muscular, comentada anteriormente advém da combinação das propriedades viscoelásticas do músculo e do estado de ativação das fibras musculares.
Esse estado de ativação muscular é determinado pela excitabilidade dos motoneurônios alfa.
A ação dos motoneurônios alfa é influenciada pelos fusos musculares que, por sua vez, têm sua responsividade influenciada pelos motoneurônios gama.
Tal mecanismo permite um ajuste contínuo da rigidez muscular, envolvendo a ação direta dos mecanorreceptores periféricos (articulares, musculares e cutâneos) e vias descendentes sobre o sistema fuso- muscular-gama.
Esse sistema não é mais rápido que o reflexo ligamento-muscular e no entanto, a sua a alta responsividade e seu baixo limiar de estimulação, devido aos receptores gama, fazem dele um mecanismo que ajusta a rigidez muscular continuamente, preparando a articulação contra possíveis perturbações.
Esse é o mecanismo responsável pela regulação da co-contração muscular e é multimodal, pois utiliza informações de natureza variada e não apenas as alterações de comprimento-tensão.
Propriocepção
Não poderíamos falar de estabilidade articular sem falar de propriocepção.
A propriocepção nada mais é do que o senso de posição corporal sem o auxílio da visão.
Ela é responsável pela percepção da localização dos segmentos corporais em repouso ou em movimento.
Os principais responsáveis pela propriocepção são os fusos neuromusculares e sua integridade é fundamental para a manutenção da estabilidade articular.
A propriocepção é necessária para que os ajustes posicionais conscientes sejam possíveis para garantir a estabilidade articular durante o movimento.
Colocamos abaixo algumas referências para quem tem interesse no assunto:
AQUINO, C. F., VIANA, S. O., FONSECA, S. T., BRICIO, R. S., VAZ, D. V. Mecanismos neuromusculares de controle da estabilidade articular. R. bras. Ci e Mov. 2004; 12(2): 35-42.
http://www.fizjoterapeutom.pl/files/5/Biomechanics%20Of%20Knee%20Ligaments.pdf
C Neuschwander, D & Drez, D & Paine, Russ & C Young, J. (1990). Comparison of anterior laxity measurements in anterior cruciate deficient knees with two instrumented testing devices. Orthopedics. 13. 299-302.
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