A Realidade da Dor

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O diário de um cientista da dor

O fisioterapeuta, Dr. Lars Avemarie, possui em seu blog uma série chamada “Os especialistas em Dor”, onde ele coletou citações de especialistas renomados em pesquisa de dor, para que o seu leitor soubesse como estes profissionais pensam e pudessem se atualizar de uma maneira informal sobre este tema tão denso que é a DOR.

São citações retiradas de artigos, entrevistas e de textos publicados nas mídias sociais pelo Dr. Kieran O’Sullivan, que é um fisioterapeuta especializado no sistema musculoesquelético, além de ser professor e pesquisador da Universidade de Limerick, na Irlanda.

Seu campo de pesquisa é, principalmente, a dor e junto com especialistas na área, como o Prof. Peter O’Sullivan, e Kieran, que compõem o time de pesquisadores que integram o PainEd, um grupo de pesquisa e estudos sobre a dor.

Reunimos aqui as adaptações de 27 citações que foram selecionadas por Lars, para que o leitor do Portal Lupmed também se atualize e conheça o pensamento de profissionais que trazem com o seu trabalho uma esperança para quem sofre com dor.

1 – “Se uma pessoa acredita que suas costas são vulneráveis e podem ser facilmente lesionadas, ela está mais propensa a evitar atividades usuais e a se mover com mais cuidado, o que limita o potencial de recuperação.”

2 – “De fato, o que faz com que algumas pessoas, como eu em minha profissão, fiquem inseguras é que muitos estudos têm mostrado que na realidade mais tratamento de fisioterapeutas, quiropraxista e mais exames de Ressonância Magnética, ao invés de ajudarem, podem de fato estar aumentando a incapacidade das pessoas, pois nós podemos fazer com que as pessoas fiquem com mais medo por acreditarem ter um problema sério.”

3 – “Na minha casa, de vez em quando o alarme soa quando um pássaro voa pela janela, por exemplo. Mas o sistema de alarme pensa que alguém quebrou a janela, pois o seu ajuste não é muito exato. Quando você tem dor persistente, seu sistema nervoso central e os nervos, que dão a sensação da dor, se tornam hipersensíveis. Logo, mesmo algo simples como um alongamento de um ligamento nas costas causa uma dor intensa. O paciente, compreensivelmente pensa ,“Oh, isso é perigoso”, enquanto o que de fato está acontecendo é que o alarme se tornou hipersensível e o que precisamos fazer é desfazer essa sensibilidade. Isso inclui atividade, manejo do estresse e sono.”

4 – “Apesar da grande quantidade de pesquisas sobre a dor lombar, ela ainda é uma desordem musculoesquelética muito complexa e muito custosa. É hoje amplamente reconhecido que a dor lombar é uma desordem complexa, com diversos fatores contribuintes, incluindo fatores físicos, psicológicos e psicossociais, bem como interações entre fatores genéticos e ambientais.”

5 – “Nós tratamos a dor nas costas por muito tempo como se ela fosse uma lesão tecidual. Por exemplo, quando alguém machuca as costas e vai ao médico, ou ao fisioterapeuta, eles comumente perguntam: ‘Como você se machucou?’ Quando você tem dor persistente nas costas, nós não estamos mais lidando com uma lesão tecidual, nós estamos lidando com a dor.”

6 – “Um exemplo que eu poderia te dar é a dor de cabeça. Você diria que você sempre machucou a cabeça quando teve dor de cabeça? Eu diria que provavelmente não. Nós ficamos bem confortáveis com a ideia de que podemos sentir dor abdominal ou dor de cabeça sem uma lesão. Mas nós acreditamos que a dor nas costas é sempre causada, e é proporcional a um tipo de lesão. É claro que isso é comum porque essa dor frequentemente começa como uma lesão.”

7 – “Existe uma oportunidade aqui de firmar uma mudança real que terá impacto duradouro na vida das pessoas. Como fisioterapeuta, você pode guiar o caminho na construção da resiliência através de programas de saúde pública, encorajando atividades, entendendo a dor, para que ela não seja apenas sobre ossos e músculos, e nem sempre procurando por uma solução rápida.”

8 – “É tudo sobre tratar a pessoa, não apenas os ossos ou os músculos. Globalmente, existem diversos níveis de desinformação sobre condições com a dor nas costas, tal como a ideia de que estruturas como os ossos e os discos podem sair do lugar. Não apenas isso é incorreto, como o medo que isso gera pode levar à incapacidade funcional.”

9 – “A incapacidade devido à dor lombar crônica tem aumentado nas últimas décadas, indicando uma necessidade de mudança no seu manejo. A melhora de desfechos em outras condições crônicas, como por exemplo as doenças cardiovasculares e o câncer, ilustra a necessidade de mudança em relação a crenças e comportamentos.”

10 – “No caso de prevenção de lesões, ou o retorno ao esporte após uma lesão, existe pouca evidência de que o alongamento estático é efetivo. Por outro lado, existe evidência considerável que programas de treinamento de força progressivos, que comumente incluem componentes excêntricos, reduzem o risco de lesões, dor e incapacidade em uma série de condições musculotendíneas, além de acelerar o retorno ao esporte.”

11 – “Existem momentos em que mais tratamento é bom, mas nas últimas décadas, essas abordagens unidimensionais não têm sido de fato efetivas, onde se prescrevem medicações e exercícios para todo mundo e não se tratam outros aspectos dos seus problemas. Existem evidências de que algumas pessoas melhoram sem essa quantidade excessiva de tratamentos.”

12 – “Não é que esses tratamentos sejam necessariamente ruins, mas eles geralmente tendem a focar em um único ponto. Logo, se você chega com dor nas costas e a sua dor nas costas é relacionada a sobrepeso, ao estresse emocional, ao sedentarismo, à falta de flexibilidade ou ainda a uma série de outras fatores, fazer um tratamento unidimensional, como alongar os músculos das costas, ou apenas fazer uma dieta, não resolverão todos os problemas.”

13 – “O importante é identificar o impacto que a dor tem na vida das pessoas, entender suas barreiras pessoais e únicas para a recuperação, e empoderar essas pessoas para que retomem o controle das suas vidas.”

14 – “Embora as pessoas com dor crônica possam ter suas costas muito rígidas e doloridas, parece que, no geral, os fatores de saúde como estresse, sono, humor e níveis de atividade, são muito importantes. Em particular, a maneira como uma pessoa pensa sobre seu problema nas costas é fundamental.

15 – “A dor lombar é uma condição muito comum, que afeta grande parte da população. A melhor abordagem para o manejo da dor lombar, frequentemente contrasta com as crenças do paciente sobre a dor lombar.”

16 – “A ideia de que a dor é sempre um indicador preciso do fato de que uma parte do corpo está lesionada, ainda é amplamente divulgada, embora seja completamente desconexa com a neurociência contemporânea. Por exemplo, pessoas com um aparente dano tecidual significativo, frequentemente não sentem dores, enquanto outras com exames aparentemente normais podem sentir dores terríveis.”

17 – “Muitas formas de atividade, como por exemplo correr e se inclinar para frente, que não são nocivas para o corpo, são consideradas perigosas e são causas potenciais de desgaste e lesões.”

18 – “A recuperação da dor nas costas é considerada mais relacionada às mãos mágicas (ou agulhas, instrumentos ou equipamentos) do terapeuta do que aos fatores que a pessoa, por si só, pode aprender a controlar, como nível de atividade física, manejo do estresse, sono e seus próprios pensamentos.”

19 – “Em resumo, para aumentar o nível de atividade entre as pessoas com dor lombar, nós temos que moldar suas crenças e melhor contextualizar o que está acontecendo com seu corpo. Por exemplo:

  • raramente o dano tecidual é a preocupação maior;
  • eliminar os medos de que as atividades de vida diária são perigosas, mesmo que elas sejam difíceis, inicialmente;
  • e empoderar os pacientes para que eles recuperem o controle, através de estratégias de autocuidado como a atividade física.”

20 – “Nós passamos décadas nos tornando obcecados com a ideia de que, se eu fizer o teste de diagnóstico correto e a avaliação correta, eu vou descobrir qual tecido está lesionado, seja um disco, um ligamento ou um osso. Então eu posso simplesmente tirar a dor ou fazê-la desaparecer. Infelizmente, isso leva a mais exames, mais fisioterapia, mais cirurgia, mais intervenções médicas e, ainda assim, os resultados são ruins.”

21 – “Não é que a dor nas costas tenha se tornado mais comum. Parece que é mais comum porque nós temos formas de fazer com que as pessoas que não querem ajuda, sintam medo.”

22 – “Sabemos que a dieta é importante para as pessoas que querem perder peso, mas você não pode simplesmente dizer para estas pessoas comerem menos. Você tem que ajudá-las a mudar suas crenças sobre o que está contribuindo para a obesidade e então tentar ajudá-las a modificar seu comportamento, porque problemas como a obesidade, são influenciados por fatores como situação socioeconômica, humor, motivações etc.

Com a dor nas costas é a mesma coisa. Se uma pessoa acredita que a suas costas tem problemas e que o movimento ou a atividade são perigosos, eu não a culparia por evitar coisas como o movimento e a atividade.”

23 – “Uma coisa que frequentemente ajuda os pacientes, em termos de tentar entender como a dor nas costas é uma condição de saúde como qualquer outra, é falar sobre gripes.

Nós ficamos de forma geral, muito confortáveis com a ideia de que doenças como a gripe possuem um gatilho biológico, como um vírus. Mas também sabemos que o vírus só é um problema se a pessoa está susceptível – talvez estressada ou com privação de sono, por exemplo. E todas essas partes são importantes. Você não ficaria gripado sem o vírus. Mas, de forma semelhante, a gripe só é um problema quando não estamos completamente saudáveis.

Novamente, se pensarmos nas dores de cabeça; você pode ter uma predisposição para dores de cabeça, mas se você se expuser a um excesso de álcool, ou estresse, ou privação de sono, as dores de cabeça facilmente aparecem.

Nós podemos enxergar a dor nas costas sob essa perspectiva.

Desgastes e músculos um pouco fracos ou um pouco encurtados, podem ser componentes do problema.”

24 – “O movimento é bom, mas, particularmente, o movimento de forma relaxada é bom. Se olharmos para pessoas com dor crônica nas costas, percebemos que elas quase se esqueceram de como é se mover de forma tranquila. Elas não conseguem se sentar de forma relaxada, ou se vestir, ou rolar na cama. Esses movimentos não são apenas dolorosos, mas é compreensível que isso faça com que essas pessoas parem de se mover e evitem a atividade. Mas é isso que leva ao descondicionamento.”

25 – “Devido a vários estudos, sabemos que a correlação entre o que vemos nos exames, o que o cirurgião vê durante a cirurgia e a dor, é muito pobre. A dor é real, mas não se trata mais apenas de lesão. Se as pessoas ainda pensarem na lesão, elas acharão que a dor é como uma torção no tornozelo.”

26 – “Então, médicos, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde são notórios em dizer às pessoas o que elas não devem fazer. Por exemplo, eles dizem para as pessoas que elas devem se exercitar, mas que não podem nadar, andar, fazer jardinagem, entre outras coisas, deixando os pacientes sem opções.

A ideia que se existe dor, existe perigo é uma concepção errônea, porém, nós não estamos encorajando as pessoas a se machucarem ou ficarem extremamente doloridas.

Mas algo pode doer e não ser prejudicial. A razão é que parece que quando você tem dor crônica nas costas, seu sistema de alarme pode falhar.”

27 – “Outra concepção equivocada é que mais tratamento é sempre útil. Nós temos muitas evidências que se você tem dor nas costas, mas é saudável, é capaz de lidar com ela e se manter ativo, então você estará melhor lidando sozinho com ela.”

Adaptado de: http://www.larsavemarie.com/the-diary-of-a-pain-scientist-with-dr-kieran-osullivan/

Sobre o autor:

Kieran O’Sullivan é um fisioterapeuta musculoesquelético especialista irlandês, com um interesse particular em dor e reabilitação da coluna vertebral. Ele está atualmente em uma carreirade professor na Universidade de Limerick, na Irlanda. Ele tem um forte histórico em pesquisa, prática clínica e educação. Completou seu doutorado em dor lombar e publicou mais de 100 artigos de periódicos revisados por seus colegas. Ele ensinou fisioterapeutas e outros médicos em mais de 10 países.

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