Manobra de Recrutamento Alveolar na SARA: Funciona?
Você com certeza já ouviu falar da Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) ou Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), mesmo quem não é da área de Fisioterapia Respiratória.
SARA é uma condição relativamente comum, presente principalmente nas Unidades de Terapia Intensiva.
Então nos desculpem os intensivistas ou fisio respiratórios, mas vamos à uma breve explicação sobre a SARA, antes de prosseguirmos com a nossa discussão principal…
O que é a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA) ou Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA)?
Mais conhecida como SARA, a doença é caracterizada pela insuficiência respiratória aguda, com a presença de infiltrados bilaterais no pulmão, que conseguimos enxergar no raio-X, além de hipoxemia grave, com relação PaO2/FiO2 menor ou igual a 200.
Esses são os sintomas clássicos, mas outros achados ainda estão presentes para a caracterização precisa da doença.
Fisiopatologicamente falando, a SARA leva à uma inflamação difusa da membrana alvéolo-capilar.
Alguns fatores de risco para o surgimento dessa inflamação são a aspiração de conteúdo gástrico, pneumonia, lesão inalatória, contusão pulmonar, sepse, traumatismo, pancreatite, politransfusão, entre outros.
Como consequências diretas dessa inflamação, temos uma alteração na ação do surfactante pulmonar, levando à atelectasias, aumento da resistência pulmonar, e consequente redução da sua complacência.
Um grande desafio na prática clinica do fisioterapeuta é ventilar o paciente com SARA, que será dependente de Ventilação Mecânica Invasiva.
A dificuldade se encontra em achar um equilíbrio, um balanço, entre garantir uma oxigenação adequada para o paciente, sem causar uma lesão pulmonar ainda maior do que a que causou a doença, por complicações da ventilação mecânica, seja pelo aumento do volume corrente, seja pelo aumento da pressão positiva intrapulmonar, e ainda manejar as consequências hemodinâmicas que o aumento da pressão intratorácica traz no paciente já muito fragilizado.
E então, como ventilar um paciente com SARA?
Não existe consenso em relação ao modo ventilatório preferencial para ventilar os pacientes com SARA, embora algumas especificidades devem ser levadas em consideração em cada modo ventilatório.
O que existe de consenso, e que é inclusive grau de recomendação A pelo III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica, é se evitar ao máximo o uso de altos volumes correntes, associados a altas pressões de platô (representando a pressão alveolar).
Portanto, adota-se como regra o que chamamos de estratégia ventilatória protetora, ou ventilação protetora, para pacientes com SARA: volumes correntes baixos, de cerca de 6 mL/kg de peso predito, com manutenção da pressão de platô abaixo de 30 cmH2O.
Para melhor entendimento da discussão que vem a seguir, recomendamos a leitura na íntegra do documento – III Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica – que você pode encontrar no link http://jornaldepneumologia.com.br/PDF/Suple_157_47_6cap6.pdf.
Existe algo a mais que se possa fazer para o paciente com SARA?
Muito se tem discutido sobre as manobras de recrutamento alveolar e titulação de PEEP para ventilar pacientes com SARA.
As evidências para a aplicação da manobra de recrutamento alveolar no ventilar mecânico, são ainda muito escassas. Se formos pensar na teoria, faria sentido presumir que um aumento na pressão positiva durante a ventilação mecânica contribuiria para um maior recrutamento de unidades alveolares no pulmão, e seria uma forma de combater o que explicamos acima, aumentando então as trocas gasosas, melhorando a oxigenação, e reduzindo o processo inflamatório.
Só que é muito difícil fazer um estudo robusto com esse tipo de temática, para comprovar de fato a eficácia ou não dessa técnica.
Até então, tínhamos como evidência a recomendação do Consenso supracitada, que dá um grau de recomendação D à aplicação dessa técnica em pacientes com SARA.
O estudo ART
Para tentar suprir um pouco a deficiência de informações nessa área, um estudo multicêntrico randomizado foi conduzido em 120 Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s) em nove países diferentes, incluindo o Brasil, entre novembro de 2011 a Abril de 2017, envolvendo pacientes com SARA moderada à grave.
O artigo publicado em 27 de Setembro de 2017, no JAMA, entitulado “Effect of Lung Recruitment and Titrated Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) vs Low PEEP on Mortality in Patients With Acute Respiratory Distress Syndrome”, ou em português “Efeitos do Recrutamento Pulmonar e Titulação da PEEP VS PEEP baixa na mortalidade em pacientes com SARA”.
O ensaio clínico foi “apelidado” de ART, vindo de Alveolar Recruitment Trial (Ensaio Clínico de Recrutamento Alveolar).
Como dissemos, o embasamento do estudo foi que os efeitos das manobras de recrutamento alveolar e de titulação da PEEP, em relação aos desfechos clínicos dos pacientes com SARA.
O Objetivo do Estudo
O objetivo do estudo foi determinar se o recrutamento pulmonar, associado a titulação da PEEP de acordo com o sistema de melhor complacência pulmonar, reduz a mortalidade em 28 dias de pacientes com SARA moderada a severa, em comparação com estratégias de ventilação convencionais com PEEPs baixas.
Uma estratégia experimental foi então testada em 501 pacientes, e comparada com 509 que foram ventilados em PEEPs convencionais.
O principal desfecho medido foi a mortalidade, mas os pesquisadores também investigaram o tempo de estadia na UTI, o tempo de internação hospitalar, os dias livres de ventilação mecânica nos primeiros 28 dias, pneumotórax que precisou ser drenado em 7 dias, barotrauma em 7 dias, e a mortalidade na UTI, no hospital, e em seis meses.
Os resultados do estudo foram um pouco desanimadores, principalmente para os pesquisadores.
De forma resumida, eles encontraram que a estratégia proposta, com recrutamento alveolar e a titulação da PEEP, na verdade aumentou a mortalidade dos pacientes, reduziu o número de dias livres da ventilação, e ainda aumentou o risco de pneumotórax e barotrauma.
Discussões e questionamentos
É claro que se pode argumentar que qualquer resultado em um estudo é super válido, mesmo que for um resultado nos dizendo o que não fazer, mas temos também que admitir que deve ser bem desanimador propor algo que acaba sendo pior para os pacientes.
De qualquer forma o estudo foi super interessante, pois levantou muitas discussões sobre o tema. Para o protocolo utilizado no estudo, com o perfil de pacientes reunidos para a pesquisa, as conclusões foram as de que o uso rotineira de manobras de recrutamento pulmonar e titulação de PEEP não são recomendados.
Mas não é porque se tem o resultado nas mãos, que se deva condenar o uso da manobra de recrutamento alveolar.
Será que é assim que funciona? Será que isso é verdade para qualquer tipo de protocolo, e para qualquer tipo de pacientes? Será que se pode riscar totalmente a manobra de recrutamento alveolar do repertório de ações ou será que ela ainda tem seu espaço, que apenas não foi muito bem definido ainda?
É fato que o estudo apresentado aqui utilizou pressões muito altas.
Quem sabe, com pressões ainda acima do convencional, porém um pouco mais baixas do que as propostas por essa pesquisa, sejam eficientes em alguma população?
Muito ainda precisa ser estudado e definido, mas já se tem algum norte para basear as condutas e para decidir de forma crítica o que fazer na prática.
E para quem quer saber um pouco mais sobre o tema e conhecer um pouco mais sobre o protocolo utilizado e sobre o desenho do estudo, que foi bem bacana, o estudo é esse aqui:
Writing Group for the Alveolar Recruitment for Acute Respiratory Distress Syndrome Trial (ART) Investigators. Effect of Lung Recruitment and Titrated Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) vs LowPEEP on Mortality in Patients With Acute Respiratory Distress Syndrome – A Randomized Clinical Trial. JAMA. doi:10.1001/jama.2017.14171. Published online September 27, 2017.
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