Você Sabe Como Tratar Dor Lombar?

Entendendo a Complexidade da Dor Lombar

A dor lombar é a principal causa de incapacidade funcional no mundo todo. Pela sua importância, diversas abordagens, tanto para o seu diagnóstico quanto para o seu tratamento foram aparecendo ao longo dos anos e aumentando, principalmente os custos em saúde relacionados à dor lombar.

Parece contraditório, mas esse foco dado à dor lombar na verdade aumentou a incapacidade funcional relacionada a ela, bem como a sua cronicidade. Ou seja, o aumento de gastos em saúde não se refletiu em um aumento de saúde, por assim dizer.

Tratamento atual da dor lombar

Hoje em dia, o tratamento da dor lombar é ainda muito baseado no sistema biomédico, em um pensamento puramente estrutural e muita preocupação se dá à superioridade de um tipo de tratamento sobre o outro, principalmente na melhora do quadro à longo prazo.

Além disso, existe muita pressão da indústria ergonômica para a continuidade do pensamento de que a postura perfeita deve ser mantida a todo o custo, e de que as costas devem ser protegidas, apesar da falta de evidências científicas de que intervenções ergonômicas reduzem a incidência de dor lombar.

Esses pensamentos acabam por deixar o paciente com dor lombar confuso, acreditando que a sua coluna é frágil, que não agüenta a maioria dos movimentos e que ele não tem saída para o seu problema.

Em decorrência disso, os pacientes começam a evitar diversos movimentos, adotam um estilo de vida mais sedentário com medo da dor e com o objetivo de manter a sua qualidade de vida, sendo que na verdade ele está indo na contramão do seu objetivo com esta atitude.

Isso faz com que o paciente recorre cada vez mais a tratamentos mais invasivos, mesmo que isso vá de encontro às expectativas do paciente em relação a isto.

Os avanços nas tecnologias diagnósticas, como melhorias em técnicas de realização da ressonância magnética, aumentaram o foco na estrutura lesionada e aumentaram as correções cirúrgicas como tratamento da dor lombar. Tudo isso com o objetivo de criar um tratamento que seja pontual, focado no problema de correção rápida e unifatorial.

Isso é feito apesar do fato de que achados na ressonância magnética estão presentes em indivíduos completamente assintomáticos, e são mal preditores de desfechos desfavoráveis no futuro.

O “excesso” de diagnóstico e o foco na estrutura leva apenas a maiores iatrogenias e incapacidades funcionais relacionadas à intervenções médicas.

Dar uma diagnóstico patológico e anatômico para o paciente aumenta ainda o uso de tratamento medicamentosos e injeções na coluna, que são intervenções de eficácia duvidosa em longo prazo e possuem riscos importantes à saúde.

Paralelamente a esses tratamentos, técnicas fisioterápicas focadas no sintomas e na correção de supostas alterações biomecânicas, são utilizadas para o tratamento da dor lombar, como manipulações da coluna, massoterapia, eletroterapia, agulhamento a seco, uso de bandagens, entre outras.

O problema é que essas terapias, quando estudadas mais a fundo, demonstraram eficácia pequena no tratamento da dor lombar, e efeitos apenas em curto prazo. Além disso, os mecanismos por trás dessas melhorias foram identificados como sendo neurofisiológicos, e na maioria dos casos não são biomecânicos. Existe apenas um tipo de bandagem eficaz na correção biomecânica, que é a bandagem com função de corrigir a biomecânica dos movimentos.

Apesar de não existirem evidências de que as alterações biomecânicas são preditores de incapacidade na dor lombar, os tratamentos convencionais ainda são focados nesses achados.

Por outro lado, existem hoje evidências crescentes de que fatores não específicos, como relacionamento entre paciente e terapeuta, expectativas e crenças do paciente, dor e funcionalidade, por exemplo, são mais preditivos de desfechos nesses pacientes, do que mudanças no tipo de tratamento especificamente.

Novos paradigmas para o tratamento da dor lombar

Novas evidências têm mostrado que a dor lombar é, na verdade, uma condição multifatorial. Está cada vez mais claro para os estudiosos que a dor crônica e a incapacidade funcional associadas à dor lombar não é diretamente relacionada à alterações estruturais e/ou biomecânicas.

A dor lombar está na verdade, associada à um mecanismo protetor desencadeado pelo sistema neuro-endócrino e imunlógico, em reposta à percepção individual de perigo, desequilíbrio das funções corporais e exposição à possíveis fatores lesivos.

Esses sistemas estão constantemente influenciados por fatores físicos, psicológicos, sociais, culturais e de estilo de vida. Todos esses fatores se influenciam mutuamente e estão relacionados entre si.

Isso faz com que a gênese da dor lombar seja muito diferente de indivíduo para indivíduo, dependendo da relação entre todos esses fatores, resultando em diferentes níveis de complexidade. Essas interações refletem nos níveis de dor, estresse e respostas aos desequilíbrios por eles gerados, resultando assim, em diferentes níveis de incapacidade funcional.

Essa nova abordagem explica porque os tratamentos focados em problemas anatômicos e biomecânicos têm falhado em relação ao manejo da dor lombar.

A necessidade de uma abordagem multifatorial no tratamento da dor lombar está cada vez mais clara no nosso meio, bem como a importância da identificação de todos os fatores que estão envolvidos em cada situação específica.

Esse novo entendimento da dor lombar exige uma mudança no foco do tratamento, de simplesmente trata problemas estruturais e biomecânicos, para o desenvolvimento de um entendimento conjunto entre terapeuta e paciente, de todos os fatores contribuintes para a dor e a incapacidade.

Dessa forma, o paciente se torna sujeito ativo no seu cuidado, e acaba por desenvolver estratégias de manejo da dor e melhora da sua capacidade funcional. A educação do paciente nessa abordagem é então fundamental.

Mensagem para levar para a prática clínica

Esse novo entendimento da dor lombar produziu novas evidências em relação ao seu tratamento, evidenciando a necessidade de uma mudança de foco para o manejo dessa condição.

A dor lombar é hoje percebida como um mecanismo protetor que surge como resposta à ameaças percebidas em diferentes domínios no contexto do indivíduo. Dessa forma, crenças sociais negativas em relação à dor lombar por exemplo, pode interferir no nível de dor e na capacidade funcional do paciente.

Essa nova abordagem exige que o terapeuta possua novas habilidade para o tratamento da dor lombar, como capacidade de comunicação, de explorar positivamente as crenças do paciente, pensamento critico, visão ampla dos fatores que influenciam a capacidade funcional do paciente, desenvolvimento de uma escuta terapêutica eficaz, uso de terapias comportamentais no manejo dos sintomas, investimento na educação em saúde, dentre outros.

O tratamento atual da dor lombar não é eficaz para o manejo dos sintomas e controle da condição. Uma mudança de paradigma é necessária e essa mudança começa sempre e principalmente com os profissionais de saúde.

Cabe a você, fisioterapeuta, modificar a forma como aborda e trata o seu paciente com dor lombar para que aos poucos, o cenário mude por completo.

Para quem se interessou pelo tema, o artigo no qual esse texto foi baseado é esse aqui: O’SULLIVAN, P; CANEIRO, JP; O’KEEFFE, M; O’SULLIVAN, K. Unraveling the Complexity of Low Back Pain. J Orthop Sports Phys Ther 2016; 46(11):932-937. doi:10.2519/jospt.2016.0609 .

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