Insuficiência Cardíaca – Treinamento Intervalado de Alta Intensidade (HIIT) É Seguro?

O que é Insuficiência Cardíaca (IC)?

A Insuficiência Cardíaca (IC) é um importante problema de saúde pública no mundo, sendo causa frequente de morbidade e mortalidade na população adulta e, principalmente, na população idosa.

A incidência de Insuficiência Cardíaca vem aumentando, devido ao envelhecimento populacional, mas também ao fato de que se morre menos da cardiopatia de base causadora da IC, via final comum da maioria das doenças cardíacas.

As projeções mostram que a prevalência da Insuficiência Cardíaca irá aumentar 46% até 2030, resultando em mais de 8 milhões de pessoas maiores de 18 anos com IC no mundo.

A Insuficiência Cardíaca é hoje a principal causa de internação em pacientes acima de 60 anos no Brasil e quase metade desses pacientes são internados novamente após um período inferior a alguns meses pós uma alta hospitalar.

A IC é uma síndrome clínica complexa de caráter sistêmico, definida pela redução do débito cardíaco (DC), e pelo aumento da pressão venosa, acompanhada de alterações moleculares que, por sua vez, conduzem a uma deterioração progressiva do coração, ocasionando um inadequado suprimento sanguíneo para atender necessidades metabólicas tissulares, ou quando para manter um bombeamento adequado, só o faz ás custas de pressões de enchimento ventricular aumentadas.

O diagnóstico da Insuficiência cardíaca é feito clinicamente, a partir dos Critérios de Framingham. Além disso, exames complementares como o Raio-X de tórax, o Ecocardiograma, a Gasometria Arterial, a análise de eletrólitos, da função renal, e dos marcadores de necrose miocárdica, além da análise do Hemograma.

Antes de falar sobre a reabilitação, vamos explicar o que ocorre na insuficiência Cardíaca.

Classificações

A classificação mais comum para a Insuficiência Cardíaca vem na New York Heart Association – NYHA, e é baseada na funcionalidade do indivíduo.

Essa classificação é dividida em 4 Classes Funcionais, ou CF.

  • CF I: ausência de sintomas (dispneia) durante atividades cotidianas. A limitação para esforços é semelhante à esperada para indivíduos normais.
  • CF II: Sintomas desencadeados por atividades cotidianas.
  • CF III: sintomas desencadeados em atividades menos intensas que as cotidianas, ou durante pequenos esforços.
  • CF IV: Sintomas em repouso.

Como é fácil perceber, essa classificação tem relação com a gravidade da doença, porém, um indivíduo pode transitar entre uma classe e outra, dependendo da otimização do tratamento.

De forma contrária, a classificação com base na evolução da doença de base não pode ser modificada, e também se correlaciona com a gravidade da doença. A classificação é a seguinte:

  • Estágio A: inclui pacientes sob risco de desenvolver IC, mas ainda sem doença estrutural perceptível e sem sintomas atribuíveis à IC.
  • Estágio B: pacientes que adquiriram lesão estrutural cardíaca, mas ainda sem sintomas atribuíveis à IC.
  • Estágio C: pacientes com lesão estrutural cardíaca e sintomas atuais ou pregressos de IC.
  • Estágio D: pacientes com sintomas refratários ao tratamento.

A Insuficiência Cardíaca também é classificada em relação à sua estabilidade. Quando ela é bem controlada por medicações e outros tratamentos, a IC é dita compensada, e não apresenta sintomas (CF I ou II). Uma Insuficiência cardíaca sintomática é dita descompensada (CF III e IV).

A IC dita sistólica é aquela que gera redução da Fração de Ejeção Ventricular (FEVE) a menos de 50%, sendo caracterizada pela redução da contratilidade cardíaca.

A IC diastólica, ou de FEVE preservada, é resultado da deficiência de relaxamento do músculo cardíaco, prejudicando a função de bomba do coração.

IC Esquerda

A IC esquerda ocorre quando o ventrículo esquerdo (VE) falha em sua função de bomba circulatória, se tornando incapaz de bombear todo o sangue que chega para a corrente sanguínea.

Como consequência, temos aumento da pressão do VE, redução do fluxo e aumento da pressão do átrio esquerdo, redução de fluxo sanguíneo nos vasos pulmonares, aumento da pressão na circulação pulmonar, extravasamento de líquido para o pulmão, com conseqüente prejuízo das trocas gasosas.

As manifestações clínicas incluem dispneia aos esforços e ortopnéia, tosse e expectoração, edema pulmonar, cianose, fadiga, astenia, oligúria, estertores finos nas bases pulmonares; cardiomegalia, taquicardia, arritmias, confusão, cefaleia, insônia e ansiedade.

IC Direita

Na IC Direita, ocorre falha do Ventrículo Direito (VD), que não é capaz de ejetar o sangue para a circulação pulmonar, ocasionando aumento da pressão no VD, redução do fluxo de sangue e aumento da pressão no átrio direito, redução do fluxo de sangue nas veias cavas, aumento da pressão na circulação venosa, e congestão das vísceras e tecidos periféricos (congestão sistêmica).

Os sintomas da IC Direita incluem ingurgitamento jugular, hepatomegalia congestiva, edema de MMII, ganho de peso, ascite, anorexia, náuseas e fraqueza.

Fisiopatologia

A Insuficiência Cardíaca se inicia a partir de dano ao miocárdio, ocasionando disfunção ventricular. Esta disfunção deflagra mecanismos miocárdicos adaptativos e distúrbios hemodinâmicos.

Podemos resumir a fisiopatologia da IC da seguinte forma: evento inicial, levando à redução do Débito Cardíaco (DC), ocasionando ativação neurohumoral (SNS – Noradrenalina, Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona, Vasopressina e Endotelina), gerando um remodelamento ventricular. Se crônico, esse processo pode levar à necrose e apoptose celular, fibrose miocárdica e, em última instância, à morte.

Tratamento

O tratamento da Insuficiência Cardíaca é multiprofissional, e consiste em adaptações de estilo de vida, e medidas farmacológicas e não farmacológicas.

O tratamento farmacológico engloba o uso, principalmente, de medicamentos diuréticos, digitálicos, vasodilatadores, IECAs, beta-bloqueadores, agentes inotrópicos e vasopressores.

O tratamento não farmacológico passa pela educação do paciente, e mudanças do estilo de vida, incluindo restrição da ingestão de sódio, cessação do tabagismo, moderação no consumo de bebida alcoólica, e o exercício físico supervisionado.

É ai entra o fisioterapeuta. Os benefícios da prática regular e supervisionada de exercício física em indivíduos com insuficiência cardíaca já são bem comprovados, e incluem:

  1. Aumento do volume sistólico e diastólico finais do VE;
  2. Aumento do DC;
  3. Aumento do VO₂ pico;
  4. Normalização da da relação VE/VCO₂;
  5. Aumento do fluxo sanguíneo vascular pela redução da resistência vascular periférica da musculatura ativa;
  6. Redução da FC de repouso submáxima;
  7. Redução dos níveis de citocinas inflamatórias;
  8. Redução dos níveis plasmáticos de catecolaminas circulantes;
  9. Melhor regulação do controle autonômico;
  10. Aumento do número de enzimas oxidativas, fibras musculares tipo I, e glicogênio, resultando no aumento da extração de O₂ pelo músculo e na melhoria da tolerância ao esforço;
  11. Redução de quadros depressivos;
  12. Redução do número de internações e da mortalidade geral;
  13. Entre outros.

Reabilitação Cardíaca na Insuficiência Cardíaca – o HIIT é seguro?

A reabilitação do paciente com Insuficiência Cardíaca, segue os mesmos princípios da reabilitação cardíaca geral, baseando-se nas fases já explicadas no post: Você Sabe o Que é Reabilitação Cardíaca?

Muito se tem estudado sobre a melhor abordagem nos casos específicos de pacientes com IC. O artigo Effects of High-Intensity Interval Training versus Continuous Training on Physical Fitness, Cardiovascular Function and Quality of Life in Heart Failure Patient, ou, em tradução livre, “Efeitos do Treinamento Intervalado de Alta Intensidade comparado ao Treinamento Contínuo na Aptidão Física, Função Cardiovascular e Qualidade de Vida em Pacientes com Insuficiência Cardíaca”, baseou-se em pesquisas anteriores, que demonstram que o treinamento físico pode melhorar a aptidão física, função cardiovascular e qualidade de vida em pacientes com IC, porém a maioria levando em consideração exercícios de intensidade moderada.

Alguns estudos, no entanto, sugeriram um efeito superior do HIIT em relação ao treinamento contínuo (TC) nas variáveis mencionadas. Baseando-se nisso, o estudo procurou testar melhorias em pacientes com Insuficiência Cardíaca submetidos a um treinamento intervalado de alta intensidade.

Os resultados apontaram para a efetividade de ambos os treinamentos, tanto o TC quanto o HIIT, para as melhorias das variáveis cardiovasculares em pacientes com IC.

Apesar de suas limitações, o estudo nos permite inferir que o HIIT é um treinamento seguro e eficaz para pacientes com IC, desde que bem indicado e prescrito, e pode ser utilizado como alternativa para pacientes bem condicionados, ou que não respondem ao treinamento moderado.

Assim sendo, a importância da realização de estudos com essa população, se faz necessária. Ainda é preciso muito avanço para a definição de protocolos ideais de tratamento, uma vez que um programa de exercício físico superior ainda não foi encontrado para a população.

É através da divulgação de informação de qualidade e de discussões críticas que se constrói conhecimento o suficiente, para corroborar á prática e beneficiar ainda mais os paciente.

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Referências:

Benda NMM, Seeger JPH, Stevens GGCF, Hijmans-Kersten BTP, van Dijk APJ, Bellersen L, et

(2015) Effects of High-Intensity Interval Training versus Continuous Training on Physical Fitness, Cardiovascular Function and Quality of Life in Heart Failure Patients. PLoS ONE 10(10): e0141256. doi:10.1371/journal.pone.0141256.

NEGRÃO, C. E., BARRETTO, A. C. P. Cardiologia do Exercício: do atleta ao cardiopata. São Paulo: Manole, 2ª. edição, 2006.

REGENGA, M. M. Fisioterapia em cardiologia: da UTI à reabilitação. São Paulo: Roca, 2000.

UMEDA, I. I. K. Manual de Fisioterapia na Reabilitação Cardiovascular. São Paulo: Manole, 2006.

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