Guia Completo da Síndrome da Dor Patelofemoral – Parte 5 – Fatores que afetam a capacidade da articulação patelofemoral

Por que eu tenho dor a articulação do joelho?

A Síndrome da Dor Patelofemoral (SDP) é a forma mais comum de dor no joelho, tratada pelo fisioterapeuta no ambiente ambulatorial. Essa série foi feita para ajudar as pessoas a entender melhor essa condição, porque ela ocorre e como tratá-la.

Caso você tenha perdido as partes anteriores deste material, clique nos links em anexo para acessá-las.

Hoje nós vamos discutir os fatores que influenciam a capacidade da articulação patelofemoral e como isso afeta a dor no joelho.

Começaremos então com a seguinte pergunta: Quais fatores afetam a sua capacidade?

  1. Preparação;
  2. Força;
  3. Qualidade de movimento;
  4. Fatores psicossociais;
  5. Genética e IMC.

#1 – Preparação

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Existe uma quantidade considerável de novas pesquisas saindo no momento, mostrando que um fator preditor de lesão, bem importante, é o volume de treinamento.

Se nós ultrapassamos certo limiar de volume de treinamento, nosso risco de lesão aumenta.

Uma área particularmente promissora na predição de lesões é o estudo de picos no volume de treinamento de um atleta.

A maior parte dessas pesquisas está sendo feita por Tim Gabbett, um pesquisador que vem estudando jogadores de rúgbi e futebol. Picos no volume de treinamento são definidos como qualquer evento de treinamento que ultrapassa o volume habitual de treinos.

Isso faz muito sentido: Faça mais do que o corpo está acostumado a fazer e ganhe uma lesão. Tim chama isso de taxa de carga de trabalho aguda e crônica.

Basicamente, se a carga de treinamento aguda (o volume total de treinamento em uma determinada semana) é muito maior do que a carga de trabalho crônica (a média do volume de treinamento nas últimas semanas), então existe uma maior propensão ao surgimento de lesões.

Alguns exemplos:

  • O atleta que começa um programa de agachamentos além do seu treinamento normal e começa a sentir dor no joelho;
  • Um atleta que começa a acrescentar intervalos de corrida ao seu programa de treinamento duas vezes na semana, em adição ao seu treinamento normal, e começa a sentir dor no joelho.

Mas existe um paradoxo nessa história. Os achados de Tim também sugerem que altos volumes de treinamento são, na verdade, preditores de menor risco de lesão.

Tim descobriu que atletas com VO2 máximo mais alto, que é um marcador de capacidade cardiovascular, e que tiveram sessões de preparação antes das temporadas maiores, eram menos propensos a desenvolver lesões.

Basicamente, os atletas que eram mais condicionados e que tinham uma maior preparação antes da competição, também tinham menor chance de se machucar.

Os atletas que eram acostumados a lidar com um volume maior de treinamento eram menos propensos a sofrer lesões, o que faz sentido.

Atletas que treinam mais, são potencialmente mais adaptados a altos volumes de carga. Eles estão, potencialmente, criando uma maior capacidade para suportar essas cargas de treinamento e são menos propensos a se machucar quando expostos a ambientes com maiores volumes de atividades, como torneios, competições, entre outros.

Lembre do atleta de levantamento de peso descrito no último artigo dessa série: ele conseguiu aumentar sua capacidade ao longo do tempo para conseguir suportar volumes de treinamento muito maiores sem sofrer nenhum tipo de lesão.

Nós podemos aplicar esses conceitos em nossas técnicas de prevenção de lesões.

Aumentar os volumes de treinamento gradativamente ao longo do tempo pode aumentar a capacidade da articulação e fazer com que o indivíduo se torne melhor para suportar uma quantidade maior de sobrecarga e estresse.

#2 – Força

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De longe, o maior preditor de uma futura SDP é possuir fraqueza de extensores de joelhos ou de quadríceps.

Pessoas com SDP possuem um déficit de 6% a 12% de força, em comparação com indivíduos controle saudáveis sem SDP.

Isso faz sentido, pois se o quadríceps não é capaz de lidar com a sobrecarga de uma atividade, o joelho se torna doloroso.

Parece, ainda, que a própria SDP gera, ou ajuda a aumentar a fraqueza muscular.

Pacientes com SDP tendem a ter fraqueza na musculatura do quadril (abdução, extensão e rotação externa). Além disso, esses pacientes ainda apresentam força reduzida na musculatura do core. Essas reduções de força ainda tendem a se correlacionar com o valgismo dinâmico observado em agachamentos unipodais.

O que é interessante é que a fraqueza do quadril, principalmente para a abdução e rotação externa, não é um preditor de futuro aparecimento da SDP. As pesquisas mostram que uma força de quadril aumentada é que predispõe o surgimento da síndrome.

Parece que a fraqueza do quadril apenas ocorre depois que a SD já está estabelecida.

Se pensarmos bem, faz sentido que a fraqueza do quadril pudesse criar uma movimentação inadequada durante o agachamento, ou outras atividades como o pulo, e levar à SDP, mas tenha em mente que não existe dado na literatura que suporte esse argumento. A fraqueza é menos uma causa e mais uma conseqüência da SDP.

Nota importante: a força póstero-lateral de quadril não é um bom indicador da biomecânica do quadril em movimentos como correr e descer degraus em indivíduos saudáveis.

Em outras palavras, ter fraqueza de quadril não significa que os padrões de movimento serão anormais.

Outro fato interessante observado na literatura é que a força do quadril não melhora o alinhamento biomecânico durante o agachamento unipodal e a corrida.

Essas atividades são melhoradas com dicas e com o biofeedback, como o treinamento em frente ao espelho, durante tarefas específicas, e essa melhora não é transmitida de tarefa para tarefa (treinar o agachamento unipodal não melhora o alinhamento durante a corrida, por exemplo).

Esse conceito se tornará muito importante quando estivermos discutindo a reabilitação desses pacientes.

Apesar disso, a força do quadril tem sido mostrada como um tratamento efetivo para a SDP e ainda mais quando combinada com o fortalecimento de quadríceps. Alguns autores teorizam que o fortalecimento do quadril aumenta a capacidade da articulação patelofemoral indiretamente, aumentando assim a habilidade da articulação em suportar a sobrecarga, e reduzindo a dor.

#3 – Qualidade de movimento

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No último artigo, nós vimos de forma um pouco mais aprofundada os movimentos do quadril, do fêmur, da tíbia, do tornozelo e do pé.

Nós vimos ainda como esses movimentos se relacionam com a articulação patelofemoral.

A rotação femoral interna e a rotação tibial externa lateralizam o estresse no joelho e reduzem a superfície de contato na articulação responsável por dissipar as forças.

Todos esses fatores aumentam a sobrecarga na articulação patelofemoral. A pronação excessiva do pé, bem como a redução da dorsiflexão de tornozelo, associada a queda lateral do quadril durante movimentos de agachamento unipodal e pulos, também podem levar à rotações anormais da tíbia e do fêmur.

Pessoas com SDP têm maior fraqueza muscular de tronco do mesmo lado do corpo, queda da pelve do lado contralateral à lesão e valgismo de joelho.

Nesses indivíduos, corrigir essas falhas biomecânicas pode ajudar na melhora dos sintomas. Quando os pacientes aumentam o valgismo de joelho, a adução de quadril, ou a pronação dos pés, a dor é provocada ou intensificada.

Basicamente, a correção desses movimentos faz com que as pessoas se sintam melhor, e a piora desses padrões gera ainda mais dor no joelho.

Faz sentido o conceito de que manter um alinhamento neutro da articulação patelofemoral durante o movimento pode aumentar a capacidade do joelho.

Nota importante: apenas 50% dos pacientes com SDP apresentam esses problemas de alinhamento biomecânico. Isso significa que provavelmente existem diversos outros fatores que contribuem para a dor além da simples alteração de movimento.

Isso ainda é um provável motivo pelo qual muitos atletas podem ter uma técnica fraca, ou seja, um alinhamento biomecânico “inadequado” durante a corrida por exemplo, e nunca sentir nenhum tipo de dor.

Eles podem ter desenvolvido a capacidade da articulação de outras formas, sendo capazes de suportar o aumento da sobrecarga sem problemas.

Mantenha em mente ainda que, na medida em que nós realizamos agachamentos cada vez mais profundos, ou seja, para maiores amplitudes de flexão de joelho, e da mesma forma em que a contração do quadríceps é aumentada, o estresse na articulação patelofemoral também aumenta.

Realizar movimentos com maior amplitude de flexão de joelho e contrações musculares mais fortes do quadríceps irá, consequentemente, aumentar a sobrecarga nessa articulação.

Isso será ainda mais importante durante a reabilitação, quando a capacidade da articulação patelofemoral é limitada e nós estamos tentando aplicar a dose adequada de exercício de forma a reduzir a dor e restaurar a homeostase articular.

#4 – Fatores Psicossociais

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Uma das descrições encontradas online para o termo psicossocial é tudo o que é relacionado com a inter-relação de fatores sociais e os pensamentos e comportamentos de uma pessoa.

Os fatores psicossociais são elementos como as crenças e os pensamentos automáticos que podem levar a comportamentos bons ou ruins durante a reabilitação.

Os fatores sociais influenciam esses pensamentos e comportamentos também.

A SDP possui forte correlação com a ansiedade, depressão, medo de movimento e catastrofização.

Esses são fatores psicossociais conhecidos e que podem complicar o processo de reabilitação.

Esses pensamentos podem reduzir o desejo do paciente em realizar os movimentos que irão auxiliar na melhora da dor e os pensamentos negativos podem ainda sensibilizar o sistema nervoso central e criar ainda mais dor.

Pensamentos e comportamentos negativos podem minar substancialmente todos os esforços do profissional na reabilitação do paciente.

Um exemplo de catastrofização seria:

“Eu não acredito que o meu joelho não doa quando eu tento me agachar. Ele nunca ficará melhor e eu nunca mais poderei competir em levantamento de peso novamente.”

Um exemplo de uma crença negativa contribuindo para a perpetuação da dor seria:

“Sentir dor é um sinal de que o meu joelho não está melhorando, ao contrário, está piorando e provavelmente aumentando ainda mais a lesão.”

Esses pensamentos e crenças podem ser abordados através de uma combinação de neurociência terapêutica educativa e terapia cognitivo-comportamental.

Nós falaremos um pouco mais sobre esse assunto no próximo artigo.

Por fim, condições como a ansiedade e a depressão podem também perpetuar a liberação de hormônios estressores como o cortisol. O cortisol é um hormônio que pode sensibilizar o sistema nervoso central e aumentar a sensação de dor.

Obviamente, nós sabemos que a ansiedade e a depressão são apenas duas das situações que são capazes de trazer um estresse enorme.

O estresse pode se apresentar de diversas outras formas, e em excesso, pode exacerbar as dores físicas.

O tratamento e controle do estresse é uma parte dessa equação, da mesma forma em que outros fatores também são, como:

  • Sono adequado;
  • Nutrição adequada;
  • Hidratação adequada;
  • Viver uma vida de acordo com a suas morais, sonhos e metas;
  • Práticas de psicologia positiva e meditação;
  • Administrar os pensamentos negativos através de técnicas com a terapia cognitivo comportamental.

Esse tópico é claramente muito importante e será abordado com maior atenção mais para frente nessa série, mas por agora, precisamos apenas levar em consideração que todas essas questões contribuem para a capacidade da articulação do joelho e para a dor.

#5 – Genética e índice de Massa Corpórea (IMC)

Você vai perceber que metade desse tópico é constituída por boas notícias e a outra metade não.

Geralmente recebemos um formato específico para a nossa patela e para a nossa fossa troclear quando nascemos.

Como foi discutido na parte 2 dessa série, esses formatos irão variar de pessoa para pessoa. Em algumas pessoas, por exemplo, o encaixe da patela na fossa troclear simplesmente não funciona corretamente, enquanto em outras pessoas ele é praticamente perfeito. É a vida.

A outra parte dessa equação é o IMC.

O IMC, como você sabe, é a relação entre a nossa altura e o nosso peso.

Se uma pessoa está muito pesada e é baixinha, seu IMC é alto.

Isso é, felizmente, algo que podemos controlar.

Ter um IMC dentro das faixas de normalidade está relacionado com o desenvolvimento da SDP, mas apenas nos adultos. Por algum motivo, nos adolescentes essa correlação ainda não foi comprovada.

De qualquer modo, ela faz sentido. Quando maior o peso corporal, maior a sobrecarga aplicada na articulação patelofemoral toda vez que as pernas são utilizadas.

Então, o que aumenta a capacidade da articulação patelofemoral?

  1. Um programa de treinamento adequado, com aumento progressivo da carga;
  2. Fortalecimento do joelho e do quadril;
  3. Correção da biomecânica durante atividades que sobrecarregam a articulação patelofemoral;
  4. Uma abordagem psicossocial positiva, com diversos mecanismos de recuperação para o corpo e para a mente;
  5. Uma boa genética, e manter o IMC na linha.

Por fim, vamos pegar essas novas informações e colocar novamente no exemplo anterior que demos com os corredores de maratona.

Se você se lembra bem, um dos corredores sofreu uma lesão e o outro não.

O que sofreu a lesão possui uma menor capacidade articular do que o corredor que saiu ileso. Talvez o corredor que sofreu a lesão:

  • Não se preparou de forma correta para correr a maratona como o outro competidor;
  • Tinha menor força no quadríceps;
  • Tinha um valgismo dinâmico de joelho durante a corrida;
  • Estava lidando com um divórcio recente e com um surto de depressão durante seus treinos e a corrida;
  • tinha uma fossa troclear mais rasa;
  • Havia dormido apenas cinco a seis horas por dia nas últimas noites;
  • Havia ganhado uns quilinhos extras nos últimos dias, para além do seu IMC normal.

Qualquer uma dessas alternativas poderia reduzir a capacidade da articulação patelofemoral e aumentar o risco de lesão.

Torcemos para que agora você seja capaz de enxergar que o processo de uma lesão é sempre multifatorial.

Frequentemente é mais de um fator que contribui para uma lesão, como a técnica, a força e a mobilidade, e todos os fatores são relevantes no caso.

Novamente, para lembrar alguns conceitos:

  • A SDP é influenciada pela capacidade total do joelho;
  • Níveis mais altos de capacidade articular poder servir com um mecanismo protetor de lesões;
  • A capacidade da articulação patelofemoral é influenciada por uma série de fatores;
  • A presença ou não da dor no joelho irá depender de uma interação completa de todos esses fatores.

Outro objetivo desse artigo foi o de mostrar todos os fatores que levam à uma homeostase saudável do joelho.

Quando nós temos dor no joelho devido à SDP, a homeostase do joelho é alterada. Para que possamos nos livrar da dor, precisamos melhorar novamente a capacidade articular.

No próximo artigo, vamos falar como manejar esses cinco fatores para conseguir acabar com a dor e retornar aos treinos.

Adaptado

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